Vanessa Rodrigues colaboração para a Folha, no Porto
Cortes salariais, aumento de juros e impostos, cerco apertado ao crédito e até mesmo uma possível intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI). Desde ano passado, essas têm sido as palavras do cotidiano dos portugueses, e é nesse clima que Portugal vai às urnas amanhã escolher seu presidente.
Para manter a estabilidade econômica, defendem Luís Mira Amaral e Vítor Bento --dois nomes fortes do panorama político-econômico português ouvidos pela Folha--, deve-se blindar o Orçamento de Estado, apostar na educação, justiça e privatizações, além de promover negócios com duas ex-colônias: Brasil e Angola.
Quanto ao antídoto para a crise política, analisam, o melhor é manter o "moderado" Cavaco Silva no Palácio de Belém, a residência presidencial.
O atual chefe de Estado, do Partido Social Democrata (PSD), deve se reeleger em primeiro turno, segundo as últimas pesquisas. Tem algo como 60%, mais que o dobro do socialista Manuel Alegre.
A campanha eleitoral ficou marcada pelo destaque dado pelos seis candidatos ao cenário nublado do país, ainda sob efeito psicológico de uma greve geral em novembro passado, e pelos recentes cortes salariais no funcionalismo público.
Pensando ainda mais para os 10 milhões de portugueses --depois da euforia do Portugal pós-ditadura (1974) e da adesão à União Europeia (1985)--, estão realidades como pobreza, fome e desemprego que chega à casa dos 10,5%.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, há cerca de 2 milhões de portugueses pobres e 300 mil passando fome.
O próprio Cavaco se disse "envergonhado" durante a campanha. Mas o debate sobre a crise correu vazio.
Medidas para os problemas do país estiveram à margem do debate, assim como um Portugal que se manteve, em geral, desinteressado das presidenciais.
O cargo de presidente tem importância simbólica e política, mas quem cuida do dia a dia do governo é o premiê, atualmente o socialista José Socrates.
DÉCADA PERDIDA
Afinal, que Portugal é este hoje?
"É um país que se pôs a dormir à sombra do sucesso do pós-25 de Abril [data alusiva à democratização]", diz Mira Amaral, que foi ministro do Trabalho quando Cavaco Silva era primeiro-ministro (1985).
"A última década é um tempo perdido: esquecemo-nos do rigor nas finanças públicas", critica. "Portugal esbanjou oportunidades de crescimento. Endividou-se".
Há dez dias, o país teve de recorrer a um leilão de títulos públicos ante crescentes temores de insolvência devido a elevados níveis de deficit público e de endividamento.
A operação teve relativo sucesso, contendo ao menos por enquanto o risco de o país ter de recorrer a empréstimos da UE, como tiveram de fazer no ano passado Grécia e Irlanda.
"Para sair deste aperto será necessário desalavancar a economia, diminuindo endividamento e promovendo competitividade", afirma o economista português Vítor Bento, ex-presidente da Associação para o Desenvolvimento Econômico e Social e autor do livro "Perceber a Crise para Encontrar o Caminho" (2009).
Prevê "muito tempo" para isso. "O país vai precisar manter aberto o acesso ao financiamento internacional", defende.
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