CINEMA
– Por Carlos Emerenciano*
Se
o caro leitor imagina que o western se resume a troca de tiros entre mocinhos e
bandidos, deveria assistir a alguns clássicos do gênero. Na verdade, muitos
desses filmes constituem produções cuidadosamente elaboradas (algumas
obras-primas), dirigidas por diretores consagrados (John Ford, Fred Zinnemann,
George Stevens, Willian Wyler, Howard Hawks, Anthony Mann, entre outros) e
estreladas por ícones da telona (John Wayne, James Stewart, Gary Cooper, Henry
Fonda e Gregory Peck, para citar apenas alguns). O que seduziu esses artistas
de talento a se voltar para o faroeste, além de prestar a devida homenagem aos
desbravadores do território americano, foi a possibilidade de desenvolver a
arte de filmar em ambientes vastos, com paisagens deslumbrantes, o que ensejou,
entre outras coisas, fotografias magníficas.
A
grande dificuldade, caro leitor, é a de escolher, entre tantos filmes
excelentes, obras que sintetizem esse gênero tão popular não apenas nos Estados
Unidos. Nós brasileiros, grandes consumidores dos westerns, chegamos até a
incorporar, no nosso dia-a-dia, alguns termos extraídos dessas películas. Quem,
por exemplo, nunca ouviu alguém pedir um uísque cowboy (sem gelo), à moda
daqueles homens que povoaram o vasto oeste dos Estados Unidos? Como são muitas
obras relevantes, vou me restringir neste artigo às dirigidas por John Ford.
A
primeira delas, um clássico cultuado, homenageado e imitado ao longo dos anos: “No
tempo das diligências” (Stagecoach, 1939). Inspirado no conto “Bola de sebo” de
Guy de Maupassant, o filme representa um marco na história do western e, por
que não dizer, da arte cinematográfica. Narra uma viagem de diligência pelo
interior do Arizona. Ao longo da aventura, nove viajantes são obrigados a se
relacionar, compartilhar os seus medos e os inevitáveis conflitos aparecem.
Cenas clássicas de perseguição e tiroteio compõem esse filme em preto e branco.
John Wayne, que se transformou, anos depois, em figura emblemática do cinema,
aparece em seu primeiro papel de relevo (Ringo Kid), um pistoleiro fugitivo da
cadeia.
Destaco,
ainda, “Rastros de ódio” (The searchers, 1956) e “O homem que matou o facínora”
(The man shot Libert Valance, 1962). Em “Rastros de ódio”, John Wayne (Ethan
Edwards) vive um homem obcecado por vingança e que revela um terrível racismo
contra os índios. Nessa grande obra, o Capitão Ethan Edwards sai em busca de
sua sobrinha Debbie Edwards (Natalie Wood), capturada por indígenas. Um dos
grandes temores do Capitão, além do medo não encontrar a sua sobrinha com vida,
é a passagem do tempo e o seu poder de transformação. Após longo tempo de
convivência com os índios (a busca de Ethan leva anos), qual seria a Debbie que
aquele personagem torturado e amargurado iria encontrar? Quem imagina ter sido
Wayne um ator menor, mudará completamente o seu (pré) conceito ao vê-lo na pele
desse anti-herói.
Em
“O homem que matou o facínora”, o Senador Ransom Stoddard (James Stewart)
volta, em companhia de sua esposa, à pequena Shinbone. Motivo: o sepultamento
de Tom Doniphon (John Wayne). Curioso pela presença do ilustre homem público no
velório de alguém desconhecido, um jornalista vai ao encontro daquele em busca
de uma boa história. O Senador conta então a sua relação com a pequena cidade
e, mais particularmente, com o personagem de Wayne.
“Quando
a lenda supera o fato, publique-se a lenda”. Ainda que não goste de cinema ou
abomine filmes de faroeste, o caro leitor já deve ter lido ou ouvido essa
frase. Foi o que o curioso jornalista pronunciou ao ouvir a verdade sobre o
homem que matou o facínora. Ela revela, a meu ver, a essência não só do cinema,
mas das artes. Ora, caro leitor, não se pode esperar de uma obra de ficção
fidedignidade histórica ou compromisso integral com os fatos ocorridos (se
quiser assistir à vida real, acompanhe o Big-Brother). Alguns autores
identificam-na como uma ilusão criadora que, por suas beleza e verossimilhança,
tem força de realidade. É exatamente o que os filmes do genial John Ford
apresentam.
*Carlos
Emerenciano - Apreciador de um bom filme, dividirá com os leitores suas impressões
sobre cinema às sextas-feiras.
Twitter:
@cemerenciano
e-mail:
aemerenciano@gmail.com
Perfeito o título do texto, pois realmente os melhores faroestes vão muito além da mera troca de tiros ou da ação desenfreada sem pé nem cabeça dos filmes de hoje. Mesmo títulos onde a ação transcorre com mais frequência, como os clássicos "Sete homens e um destino" e "Meu ódio será tua herança", são obras que possuem a marca de um grande diretor no desenvolvimento da história e dos personagens. Gostaria de citar o exemplo de um filme magnífico, injustamente desvalorizado na época e esquecido nos dias de hoje: "Consciências mortas" (The Ox-Bow Incident, 1943). Pode-se dizer que o filme é uma espécie de "Doze homens e uma sentença" em forma de "western". Com diálogos marcantes o filme mostra um grupo de homens de uma cidade do oeste norte-americando que partem, sem autorização do xerife, em busca de culpados para o assassinato de um fazendeiro local, e acabam encontrando três homens que são rapidamente considerados suspeitos e julgados ali mesmo no deserto onde foram encontrados, numa jornada de ódio, dúvidas e culpa. Uma pequena obra-prima que, na aparente simplicidade da história e no impacto que nos causa, eleva o gênero e o próprio cinema. Parabéns pelo texto Carlos!
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