Cory
Doctorow, Guardian UK*
Há
um ano, resenhei o livro The Net Delusion [A Net como ilusão], de Evgeny
Morozov, análise cética do papel da internet nas lutas globais por justiça.
A
ideia central da crítica de Morozov é o fato inegável de que Facebook, Twitter,
YouTube e outras ferramentas de mídia social são monumentalmente inadequadas
para usar em cenários revolucionários hostis, porque a repressão sempre será
informada sobre locais de reunião, manifestações programadas e as causas dos
protestos e manifestações; essas ferramentas expõem os usuários à violência de
governos repressivos.
Mais
ainda, revelam os laços sociais entre os dissidentes, facilitando a tarefa das
polícias secretas, que podem cercar os movimentos sem precisar recorrer a
recursos tediosos de gravações clandestinas e vigilância física, para saber
quem prender.
Naquela
resenha, argumentei que os riscos detectados nessas ferramentas não eram
inerentes a elas. Nada impedia que se criasse uma ferramenta do tipo Facebook,
que ajudou a galvanizar e organizar a resistência na Tunísia, sem expor os
usuários ao risco de serem presos e torturados (para os principiantes: bastaria
abolir a exigência de ‘nome verdadeiro’ do Facebook, e permitir que os usuários
usassem pseudônimos).
Mas
no contexto no qual nasceu Facebook – uma brincadeira que começou em Harvard e
que se tornou poderosa máquina global de publicidade – não havia razão alguma
para que alguém envolvido no design do sistema pensasse em torná-lo
invulnerável a ataques de ditadores e seus apparatchiks.
Agora,
que essa necessidade afinal apareceu, as pessoas que se preocupam com a dor dos
que sofrem sob regimes opressivos podem trabalhar com os desenvolvedores de ferramentas
que ajudem os usuários, sem os expor à repressão.
E,
de fato, no ano passado, viu-se enorme quantidade de energia mobilizada nessa
tarefa, que resultou no desenvolvimento de plataformas de ‘vazamentos’ como
Wikileaks; de ferramentas que possibilitam o anonimato como Tor; e aumentou
muito o número de usuários desses recursos.
Até aí, tudo bem. Mas ontem
assisti à conferência de Ethan Zuckerman, 2011 Vancouver Human Rights,
intitulada “Cute Cats and The Arab Spring” [Gatinhos Lindinhos e a Primavera
Árabe], e percebi que Morozov e eu erramos, ambos. Zuckerman é diretor do
Centro para Mídias Sociais do MIT [orig. MIT's Centre for Civic Media] e
fundador do Geekcorps, uma ONG que manda técnicos para o mundo em
desenvolvimento para trabalhar em iniciativas tecnológicas sustentáveis
surgidas localmente[1].
Zuckerman
sabe muito sobre a dura realidade do dia a dia do lugar da internet na luta
pela liberdade de expressão e justiça, em alguns dos contextos mais brutais e
nos regimes mais repressivos do mundo.
Vale a pena ouvir toda a conferência,
mas interessei-me especialmente pela “Teoria dos Gatinhos Lindinhos” de
Zuckerman, sobre a revolução internética.
O argumento de Zuckerman é o
seguinte: embora YouTube, Twitter, Facebook (e outros serviços sociais
populares) não sejam eficazes para proteger dissidentes, ainda assim são o
melhor lugar do mundo para iniciar dissidências, por várias razões.
Primeiro,
porque se o YouTube cai, numa internet nacional, todos percebem, não só os
dissidentes. Mas se um governo repressivo censura uma página que expõe a
brutalidade oficial, só os que conheçam a página saberão do ato de censura.
E
quando o YouTube é censurado, todos os que adoram ver gatinhos lindinhos
descobrem que sua página preferida está fora do ar; começam a perguntam por
quê, e assim acabam descobrindo que há vídeos que comprovam a brutalidade
oficial, e que o governo censurou o YouTube para impedir que as pessoas vissem
a brutalidade oficial.
Segundo,
a ferramenta mais amplamente utilizada por governos opressivos contra páginas
de dissidentes é o DDoS, distributed denial of service [negação distribuída de
serviço], quando se mandam enormes ondas de tráfego das redes de milhares de
PCs alinhados, que provocam sobrecarga no servidor alvo e derrubam a internet.
Serviços
como Twitter, Facebook e YouTube sobrevivem muito melhor a esses ataques, que
uma página doméstica de dissidentes.
Finalmente,
Zuckerman argumenta que a lição da Primavera Árabe é que revoluções são
iniciadas por pessoas comuns, oprimidas por sofrimentos da vida diária –
prisões arbitrárias, corrupção e brutalidade policial – e essas pessoas usarão
a ferramentas que conheçam, para se manifestar.
A
primeira ideia que lhe passa pela cabeça, depois de você capturar um vídeo para
telefone celular que mostre a polícia assassinando alguém não é “Vamos ver se
há alguma ferramenta construída para ativistas, que eu possa usar para passar
adiante esse clip”. A ideia que ocorre é “Melhor subir isso no
Facebook/YouTube/Twitter, para que todos vejam.”
Esse último argumento é,
para mim, o mais convincente. Embora ferramentas para ativistas sejam vitais
para manter uma luta, elas jamais serão o primeiro recurso do sistema, quando
acontecem os desastres.
O
que implica que o único modo para garantir a segurança de ativistas,
dissidentes e de todos que lutam contra a opressão, é, seja lá como for,
convencer as pessoas que criam as ferramentas sociais mais populares a
fortalecê-las para que suportem os confrontos das lutas reais.
Para
começar, essa tarefa é dificílima. Mas é tornada ainda mais difícil ante as
exigências dos governos “liberais” na Europa, Canadá, EUA e outras “nações
livres”, que querem garantir que seus governos possam espionar os próprios
cidadãos que apareçam nas mídias sociais.
Acrescente-se
a isso a insanidade de leis como, nos EUA, a Lei Antipirataria [orig. Stop
Online Piracy Act (SOPA)], que exige dos serviços que espionem os usuários e
deletem links com conteúdo não permitido, e o problema torna-se ainda mais
difícil.
Não é quadro estimulante. Mas, pelo menos, nos oferece um mapa do
caminho.
Primeiro, temos de convencer nossos próprios governos de que, quando
mandam espionar atrás das portas e apagar links das mídias sociais, garantem as
mesmas capacidades também aos ditadores.
Segundo,
é preciso fazer a conexão entre a aplicação das leis de copyright e a
correspondente fiscalização e as lutas globais contra a injustiça, explicando
sempre, tantas vezes quantas sejam necessárias, que é impossível ter um sistema
que impeça a espionagem por polícias secretas, e permita a espionagem pelas
majors das comunicações e mídia.
Finalmente, temos de convencer os empresários
de que é do interesse deles promover as mudanças de arquitetura de sistemas que
protejam seus usuários de prisões arbitrárias, tortura e assassinato, quando
fizerem a transição não planejada, das páginas de gatinhos lindinhos para as
páginas de denúncias de atrocidades.
Mas é 2012, e há anos pela frente. Vamos
trabalhar.
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[1] Para avaliar o que
Zuckerman sabe do mundo, ouçam sua conferência em http://www.ted.com/talks/lang/pt/ethan_zuckerman.html (fala até de “Cala boca, Galvão”). A ignorância
dos norte-americanos sobre o mundo e a ilusão em que vivem, de que sempre
conseguirão aprender rápida e facilmente o que não sabem, é REALMENTE
IMPRESSIONANTE [NTs].
*Tradução
do Coletivo de Tradutores Vila Vudu
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