Livro reúne cartas em que d. Pedro I, sua mulher e sua
'favorita' se revelam
Roberta Pennafort - O Estado de S. Paulo
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Reprodução: Mary del Priore desnuda imperatriz Leopoldina |
Leopoldina amava Pedro, que amava Domitila, que amava ser
sua “favorita”. O triângulo mais conhecido da história dos afetos brasileiros
se revela ainda mais humano nas recentes descobertas de Mary Del Priore. Autora
de mais de 30 livros de história e apaixonada pela intimidade dos personagens
que nos são apresentados nos livros didáticos, a historiadora está lançando A
Carne e o Sangue (Rocco, 272 págs., R$ 34,50).
Nos arquivos do Museu Imperial, em Petrópolis, ela
encontrou cartas até então inéditas que revelam a miséria da piedosa
imperatriz, pudica, gorda e humilhada publicamente por conta da infidelidade
escandalosa do marido; a volúpia do garboso Demonão, que hoje seria tachado de
viciado em sexo; o desejo de poder da graciosa e despudorada Titília, a mulher
mais influente do império enquanto durou o romance, entre 1822 e 1829.
Na corte se dizia que só havia dois tipos de pessoas no
Rio de Janeiro: os que agradavam a Domitila e os que a desagradavam. Ela vendia
favores com anuência do imperador, teve seus filhos bastardos reconhecidos,
conseguiu títulos de nobreza e dinheiro para a família, desfilava de nariz em
pé pelos teatros, igrejas e festas com as joias e roupas presenteadas pelo
amante.
O homem mais forte do reino, proclamador da Independência,
chorava de saudades quando não podia vê-la. Criava versinhos infantis, enviava
bilhetes acompanhados de chumaços de pelos púbicos ou do bigode, por vezes lhe
escrevia duas vezes ao dia. Fez Titília sua vizinha, e mandou abrir uma
portinha no palácio para encontrá-la facilmente.
Obrigou Leopoldina, supercatólica, a conviver com os
ilegítimos, pôs os príncipes para brincar com eles. Logo ela que já sofria com
a diferença de clima e sobriedade entre a corte austríaca e a improvisada da
capital tropical do Império português.
A correspondência desvelada pela autora, afeita a fontes
primárias – entre a imperatriz e a família austríaca, entre os amantes e entre
diplomatas estrangeiros e seus países – estava intacta havia cerca de 180 anos.
Mostra como a conduta imprópria do monarca, que teve tantas amantes que ultrapassou,
segundo os registros o Arquivo Nacional, a marca de 40 filhos, acabou por
torná-lo presença indesejável no Brasil.
“Que podeis esperar de um perjuro, lacaio de estrebaria,
borracho cachaceiro, sem educação e sem princípios, sem honra e sem fé?”, escreveu
um opositor. “O monarca inviolável e sagrado pode bem ser um miserável cheio de
vícios, (...) um devasso e adúltero”, publicou o jornal baiano O
Guaicuru.
O Português Brasileiro manchetou: “Para salvar o Brasil da
ruína que vejo principiada”. O articulista falava da “mais cega paixão amorosa
de Vossa Majestade Imperial com a Visondessa de Santos, mulher indigna de tal
sorte por sua má conduta”.
Os estrangeiros se chocavam. “É puro Luís XIV”, apontou um
observador de fora, comparando d. Pedro ao imperador francês que um século
antes também escancarara seus affairs. “A imperatriz tem dissimulado a dita
conexão entre seu augusto esposo e a mencionada senhora, tratando-a com amizade
em público”, concluía o cônsul espanhol.
O apetite sexual de d. Pedro – que não se contentava com a
vida dupla, e ainda procurava e fazia filhos com outras amantes –, aliado ao
mau desempenho do Exército Brasileiro na Guerra da Cisplatina, com a
consequente perda do território do Uruguai, e a pressão das revoltas liberais,
o afasta do cargo.
“O prestígio político de d. Pedro fica tão baixo que ele
passa a ser mais julgado pela sua vida privada do que sua vida pública”, avalia
Mary Del Priore, que já se debruça sobre os próximos perfilados: a princesa
Isabel, neta mais famosa de d. Pedro I, e seu marido, o conde D’Eu. “A análise
da correspondência traz essa gente para perto da gente. Eles pulam para a
contemporaneidade. Estão falando de coisas que nos interessam: amor, paixão,
sexo, solidão, abandono.”R.P.
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