A
dupla jornada de adolescentes aprendizes causa alterações na vida e na saúde
dos adolescentes, como perda ou ganho excessivo de peso, sonolência e,
principalmente, diminuição da capacidade de manter a atenção e queda no
desempenho escolar.
Por Mariana Melo, da USP*
O
estudo Percepção de jovens aprendizes e estagiários sobre condições de
trabalho, escola e saúde após o ingresso no trabalho aponta as principais
alterações no cotidiano e na saúde de jovens empregados por meio da Lei da
Aprendizagem e também pelo capítulo V do Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990).
Trabalho
pela manhã e estudos à noite
A
psicóloga Andréa Aparecida da Luz realizou a pesquisa, entre 2008 e 2010, sob
orientação da professora Frida Marina Fischer, do Departamento de Saúde
Ambiental da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. A pesquisa de mestrado
recebeu o prêmio “First Place Student Poster Award” no Congresso Internacional
“30th Congress of the International Commission on Occupational Health ICOH
2012”, no qual trabalhos envolvendo Saúde Ocupacional foram avaliados por um
júri em Cancún, no México, nos dias 18 a 23 de março deste ano.
O
estudo foi aplicado em uma Organização não Governamental (ONG) na zona sul de
São Paulo. Nesta ONG, jovens dos bairros vizinhos inscrevem-se para receber
aulas preparatórias e trabalhar em empresas parceiras. Estas procuram a ONG
para incorporar mão-de-obra e se adequar à Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de
2000 e ao Decreto nº 5.598, de 1º de dezembro de 2005, os quais propõem que no
mínimo 5% e no máximo 15% do quadro de funcionários de uma empresa que seja
composto por jovens aprendizes.
Andréa
submeteu a questionários e entrevistas 40 jovens entre 14 e 20 anos inscritos
na ONG. Mesmo após começarem a trabalhar, eles continuam frequentando aulas de
capacitação, uma vez por semana como aprendiz, ou uma vez por mês como
estagiário. Na investigação, levantou-se dados demográficos e socioeconômicos,
além de perguntas sobre saúde e impressões de antes e depois do início da vida
profissional. Todos já trabalhavam há pelo menos seis meses, no turno diurno,
totalizando uma jornada de 40 horas semanais entre trabalho e acompanhamento na
ONG. Além disso, mantinham os estudos à noite.
Relatos
Os
relatos descreviam abusos no trabalho, como cumprir as mesmas metas e cotas que
os funcionários com capacitação técnica, ou substituir cargos de chefia na
ausência de supervisores. Entre os entrevistados, apenas um disse ter recebido
treinamento específico para as atividades que desenvolveria.
Mesmo
com os problemas apontados, a maioria dos participantes não queria deixar o
emprego. Com um salário, eles têm maiores possibilidades de custear um curso
universitário. Alguns, diz Andréa, chegavam a contribuir com 65% da renda
familiar, além de alcançar um poder de consumo maior. Para outros, conforme os
depoimentos, o reconhecimento da sua identidade só foi atingido depois que
começaram a trabalhar. Frases como “Não sou mais vagabundo, sou trabalhador” ou
“Agora as pessoas me enxergam, elas vem me vender as coisas” foram proferidas
durante as entrevistas.
Segundo
Andréa, ao anunciar o vencedor durante o prêmio, um dos jurados apontou a
urgência em cuidar dos recém-chegados ao ambiente laboral e destacou o fato de
eles “passarem mais tempo no trabalho do que na escola”. Ela disse que, depois
desta pesquisa, a ONG fez adaptações curriculares e na carga horária, para que
seus estudantes aprendessem noções de segurança e saúde no trabalho e tivessem
a possibilidade de dormir mais ou chegar mais cedo à escola. Para ela, é
importante que aconteça esse primeiro contato com o meio trabalhista, mas é
preciso atentar-se às condições em que isso ocorre. Finaliza com “Conquistas
como status e poder de consumo foram apontadas pelos jovens como aspectos
importantes do trabalho, mas a que preço? É o que precisamos considerar”.
Fonte: Notícias USP
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