Demonstrativos
de resultados ainda são as ferramentas mais confiáveis para avaliar a saúde
financeira de uma empresa. Mas qualquer alfabetizado nas artes contábeis sabe
que os números são letras, balanços são histórias – e histórias estão sujeitas
à vontade de quem as escreve e à interpretação de quem as lê.
Por
André Siqueira, na CartaCapital
É
a partir desta perspectiva que vale a pena observar os resultados apresentados
pelos maiores bancos privados brasileiros – Itaú e Bradesco – no primeiro
trimestre do ano.
O
vilão da vez responde pelo nome de inadimplência. Coincidentemente (ou não, como
veremos a seguir), a onda de preocupação com os calotes surgiu justamente
quando o governo tenta atrair as atenções para o elevadíssimo spread bancário –
diferença entre o custo do dinheiro para as instituições financeiras e a taxa
cobrada por elas ao emprestá-lo aos seus clientes. Em nome dos calotes, as
ações dos bancos brasileiros teriam sido duramente castigadas no pregão de
quarta-feira 25 da Bovespa. A queda, no caso do Itaú, foi de quase 6% – perto
de 7 bilhões de reais em perda de valor de mercado.
Ninguém
nega que houve aumentos nos atrasos nos pagamentos nos últimos meses, mas o
patamar atual está longe de ser historicamente preocupante. O Itaú, por
exemplo, registrou alta de 0,2 ponto percentual entre o último trimestre do ano
passado e o primeiro deste ano. O que provocou a queda de 2,96% no lucro do
banco nos três primeiros trimestres do ano – o ganho líquido fechou em “meros”
3,43 bilhões de reais – foi a decisão tomada pela administração de elevar
substancialmente as provisões para a cobertura de créditos de difícil
recuperação.
A
cada trimestre, as instituições financeiras abrem mão de parte de seu lucro
para se garantir frente às possíveis perdas provocadas por clientes que não
pagam suas dívidas. Trata-se de um sinal que o banco emite para os acionistas
sobre a saúde de seu negócio. O Bradesco também ampliou essa reserva no
primeiro trimestre, e por isso seu lucro cresceu “apenas” 3,4%, para 2,80
bilhões de reais. O percentual de dívidas vencidas há mais de 90 dias subiu de
3,6% para 3,9% de dezembro a março, ou seja, 0,3 pontos percentuais. Já a
provisão foi elevada em 20%.
Ou
seja, apontar a inadimplência como causa primária da volatilidade é, no mínimo,
uma leitura precipitada. A queda nas ações foi puxada por uma indicação dos
bancos de que esperam dias mais difíceis pela frente na relação com os
devedores. Uma questão de percepção. O relatório de crédito do Banco Central,
divulgado na manhã desta quinta-feira 26, já evidencia a desaceleração da
inadimplência no mês de março. Na verdade, o volume de calotes caiu 0,1 ponto
percentual no mês passado. Nos empréstimos a pessoas físicas, os que mais
parecem preocupar os bancos, a queda foi de 0,2 ponto percentual, a primeira
melhora no indicador desde dezembro.
Os
próprios bancos, embora sigam firmes com o discurso da inadimplência em alta,
mantêm as previsões de ampliação de suas carteiras de crédito na casa dos dois
dígitos até o fim do ano. Esse comportamento soaria contraditório, não fosse
pelo segundo fator determinante do mau humor do mercado: as pressões da área
econômica do governo pela redução dos juros cobrados nas operações de crédito.
Não
é nada bom, para os bancos, abrir mão de suas gordas margens de lucro no
repasse do dinheiro, mesmo que isso represente a possibilidade de ampliar
significativamente o volume de operações. Os bancos públicos, mais uma vez (a
primeira foi na sequência da eclosão da crise financeira americana, no fim de
2008), foram chamados a puxar um processo de expansão do mercado de crédito,
desta vez ao baixar o custo dos empréstimos. E, novamente, os bancos privados
se veem obrigados a seguir a carruagem, mas não sem alertar o mercado (e a
mídia) para a “temeridade” das intenções do governo.
Do
ponto de vista da equipe econômica, que em geral não é o que se vê nos
editoriais, a hora certa de incentivar a queda dos juros é justamente quando o
crédito se retrai – um movimento chamado, no jargão do setor, de contracíclico.
Em síntese, quando a economia se retrai, ou cresce menos, a política econômica
a estimula. Forçar a queda dos juros quando a população está ávida por se
endividar é assumir o risco de criar bolhas de consumo.
Os
bancos, por sua vez, vão tentar mostrar que o momento não é bom para baixar os
juros, já que a inadimplência representa um fator de custo a mais para os
empréstimos. Nas reuniões recentes em Brasília, o presidente da Federação
Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, levou uma série de
reivindicações para o governo. Assim como a indústria, os bancos se queixam da
carga tributária e do custo Brasil, e querem ser desonerados antes de desonerar
os clientes. Se conseguirem obter algumas benesses, ou ao menos conter o ímpeto
dos bancos públicos, as recentes perdas no mercado não terão ocorrido em vão.
A
verdade é que o ambiente financeiro no Brasil melhorou, e não foi pouco, nas
últimas duas décadas. Resta muito a fazer, mas as instituições são sólidas, a
economia é estável e os juros básicos estão em patamares historicamente baixos.
Nunca foi tão fácil retomar um carro ou um imóvel de inadimplentes. Sem falar
na Lei de Falências, que favorece a recuperação de créditos financeiros. Até
mesmo o cadastro positivo – pleito antigo dos bancos para facilitar a
identificação dos bons pagadores – está saindo do papel. Foi o avanço do
mercado de crédito (também iniciada pelos bancos públicos) que permitiu aos
bancos atingir o patamar atual de lucratividade.
Posta
de lado, portanto, a cortina de fumaça da inadimplência, o fato é que a
contrapartida mais esperada dos bancos nos últimos anos está muito aquém da
possível: eles não largam o osso, ou melhor, a gordura do spread.
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