A primeira revista brasileira foi publicada em 1812.
Duzentos anos depois, essa mídia se vê no meio do redemoinho da era digital e
enfrenta o seguinte questionamento: como ser relevante em um mundo em que as
informações estão disponíveis das mais variadas formas e muitas vezes de modo
gratuito? Nos Estados Unidos, os magazines têm uma tradição de mais de três
séculos.
Por *Fabrício Marques, no jornal Estado de
Minas
Uma das maiores autoridades no assunto é David Abrahamson,
professor na Medill School of Journalism, da Northwestern University, e
professor de excelência de ensino na Charles Deering McCormick. Ele também foi
presidente da Associação Internacional de Estudos de Jornalismo Literário.
Abrahamson é o autor de Magazine-Made America: The cultural transformation of
the postwar periodical (Hampton Press, 1996) e organizador de The american
magazine: Research perspectives and prospects (Iowa State University Press,
1995) — ambos sem tradução em português. Em entrevista ao Estado de Minas,
ele fala do futuro das revistas e de como elas poderão ter um papel importante
no contexto das mídias.
Estado de Minas: No texto “The future of
magazines, 2010-2020”, o senhor chama atenção para a importância do contexto,
quando pensamos no futuro das revistas. O senhor diz: “O mais provável é que
sejamos (os EUA) uma nação relativamente mais pobre, com mais desigualdade
social e talvez o encolhimento da classe média”. Ao mesmo tempo: “Nós vamos
desfrutar substancialmente menos de vantagens econômicas e geopolíticas em
comparação com o resto do mundo”. Como o senhor situa o Brasil, que tem vivido
situação econômica semelhante a China e Índia?
David Abrahamson: Acho que a maioria dos observadores
estão bastante confiantes de que o Brasil, como os outros países do Brics,
desfrutará de um crescimento significativo em seu padrão de vida na próxima
década. Programas como os subsídios do governo para as famílias brasileiras que
assegurem a frequência de seus filhos à escola terão, a longo prazo, uma boa
chance de aumentar substancialmente o tamanho da classe média do Brasil.
Estado de Minas: Em que medida os avanços na ciência e
na tecnologia afetarão a indústria de revistas?
David Abrahamson: Tecnologia e ciência têm um enorme
efeito sobre a indústria das revistas. Na visão macro, o relativo sucesso das
revistas em tirar proveito da rede mundial de computadores (por exemplo, muitas
revistas têm o que é denominado “sites de destino”) salvou muitas revistas da
turbulência existencial diante da indústria de jornais. No nível micro, o
surgimento em poucos anos de “papel digital” (“tela flexível” do Google) pode
transformar para melhor a publicação de revistas, bem como tornar os tablets
obsoletos.
Estado de Minas: “A manipulação de coisas se tornará
menos importante do que a manipulação de informação, com frequência na forma
simbólica.” O que significa isso? Pode explicar melhor?
David Abrahamson: Estava falando do declínio da
economia manufatureira/industrial e o surgimento da informação/economia de
serviços. O mundo pós-industrial é alimentado por elétrons efêmeros (em
computadores), que representam simbolicamente informação e conhecimento. É um
mundo virtual.
Estado de Minas: “Meu palpite é que nos próximos
10 anos será cada vez mais valiosa a capacidade incomparável da revista de ser
uma mediadora entre os interesses individuais e os interesses compartilhados.”
O senhor pode dar um exemplo de como isso pode ocorrer?
David Abrahamson: O melhor exemplo: uma revista é
bem-sucedida em um nível porque vai ao encontro das necessidades de informação
e desejos de um único indivíduo que se autodefine como parte integrante de seus
leitores fiéis. Mas, ao mesmo tempo, o sucesso da revista também é construído
sobre o fato de que existe um número de leitores individuais para os quais a
revista é a base para um senso de comunidade, um senso de interesse comum.
Estado de Minas: “Não muito tempo atrás, Bill Gates
ofereceu uma observação interessante sobre a diferença entre publicidade e
promoção. Provavelmente é verdadeiro seu ponto de que o impresso está tão bem
adaptado à publicidade, enquanto a web parece melhor para a promoção.” Para o
senhor, o novo modelo de negócios do jornalismo de revista se beneficiará desta
situação?
David Abrahamson: Hoje, acredito que Gates ainda
esteja certo. Para o futuro, porém, meu palpite é que o impresso vai
sobreviver, pelo menos por mais uma década ou duas, ao lado de versões de
revistas baseadas na web
Estado de Minas: Quais os principais efeitos do
narrow-casting (disseminação de conteúdo para uma audiência específica) de
todas as mídias, incluindo as revistas?
David Abrahamson: O principal efeito da eficácia
contínua do narrow-casting é que o público, em sua maior parte, se tornará mais
segmentado. Se a tese da "cauda longa" de Chris Anderson se provar
correta no longo prazo, isso vai resultar em um negócio viável de mídia. Mais
interessante, no entanto, é o fracionamento resultante da cultura, o que pode
ser visto como uma força contrária à globalização. Como isso se dará no futuro
vai ser muito fascinante assistir.
Estado de Minas: O senhor prevê uma valorização
maior do jornalismo literário. Nos EUA isso já ocorre?
David Abrahamson: Valorização é termo um tanto
escorregadio. É muito difícil medir com precisão. Com sua permissão, gostaria
de reformular a pergunta: acha que o jornalismo literário continuará a ter
audiências apesar de cada vez mais se dizer que o público tem períodos de
atenção mais reduzidos e do crescente apetite por formas jornalísticas mais
curtas e em formato web? Minha resposta é um retumbante sim. Porque jornalismo
literário comunica, informa, diverte e ainda inspira seus leitores de um modo
que outras formas de jornalismo não conseguem. E o fato de que os leitores de
jornalismo literário acham isto valioso significa que estão realmente dispostos
a pagar por isso.
Estado de Minas: “Outro componente do universo da
revista certamente mudará em poucos anos. O papel convencional da revista como
uma publicação semanal de informação baseada em fatos vai diminuir.” No Brasil
isso parece difícil de ocorrer a médio prazo. E nos EUA?
David Abrahamson: Vejo tempos difíceis à frente para
as revistas, particularmente aquelas que tentam servir um mercado de massa de 2
ou 3 milhões de leitores.
Estado de Minas: No Brasil, existe um descompasso
entre mercado e academia. Pesquisadores veem o mercado com desconfiança, ao
mesmo tempo que o mercado critica a academia. Mas nem pesquisadores são santos,
nem o mercado é Leviatã. Como o senhor avalia essa situação?
David Abrahamson: Ambos os lados poderiam se
beneficiar com um pouco de humildade. Os estudiosos em suas torres de marfim
poderiam aprender algo ouvindo os praticantes. E os jornalistas poderiam se
beneficiar tendo menos desprezo pela academia (o que é uma forma de
anti-intelectualismo, acho; você já foi a qualquer lugar mais aborrecido e
cínico do que uma redação?).
Estado de Minas: Segundo The Economist, 300 anos
atrás as notícias viajavam de boca em boca ou carta, e circulavam em tabernas e
casas de café na forma de folhetos, boletins e volantes. A indústria da notícia
está voltando para algo mais próximo da casa de café. A internet está fazendo
com que a notícia seja mais participativa, social, diversa e partidária. Isso
terá efeitos profundos na sociedade e na política. O senhor concorda?
David Abrahamson: O que está faltando nesse cenário é a
função de avaliação. Há informação, e então há informação competente. Muitas
vezes é esquecido que os cafés da Londres do início dos anos 1700 eram
frequentados com o que hoje chamaríamos de experts. Joseph Addison e Richard
Steele eram muito brilhantes, homens bem-educados. Além disso, eles
selecionaram as melhores ideias, as com maior conteúdo informativo e mais bem
fundamentadas, das conversas dos cafés para incluir em sua revista, The
Spectator.
Estado de Minas: O que o senhor pensa dos paywalls
(sistema que impede que os usuários da internet acessem conteúdo de notícias
on-line sem uma assinatura paga) como modelo de negócios para o jornalismo de
revista?
David Abrahamson: Eu não ficaria surpreso se os
paywalls se tornassem quase universais para os websites das revistas. Os
leitores serão convidados a pagar pelo conteúdo e os anunciantes se deliciarão
com isso. O resultado será um modelo de negócio muito bem-sucedido.
*Fabrício Marques é jornalista, doutor em literatura
comparada (Fale/UFMG) e diretor do Suplemento Literário de Minas Gerais.
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