Todas as dores de Mario Balotelli, o craque-problema da
seleção italiana
Christian Carvalho Cruz - O Estado de S.Paulo
O atacante italiano Mario Balotelli sofre de tabloidismo.
Diagnóstico fácil. Difícil é conhecer a causa, como observou o colega Daniele
De Rossi, capitão da seleção da Itália: "Não sei se os tabloides são maus
demais com o Mario ou se ele dá demais de comer a eles". Os dois. Seu
jeito rebelde e extravagante - nos campos, nas boates ou nos carrões - o torna
um prato cheio para os fofoqueiros. E ele não procura evitar. Uma vez, ao
marcar um gol, levantou a camisa e mostrou outra, por baixo, na qual se lia
"Why always me?" (Por que sempre eu?). Depois que trocou a Inter de
Milão pelo Manchester City, da Inglaterra, dois anos atrás, a coisa desandou de
vez. Lá, onde gostam tanto de xeretar a vida privada alheia quanto de uma boa
Guinness, vira e mexe listam "as maiores encrencas de Balotelli".
Tome um trago: Balotelli acende fogos de artifício no banheiro e quase
incendeia sua mansão de £ 3 milhões (R$ 9,6 milhões). Balotelli lança dardos
nos juvenis do City e, questionado por que cazzo fez aquilo, diz que
"estava entediado". Balotelli tem sua Maserati guinchada pela 27ª
vez, por estacionar em local proibido. Balotelli sai no braço com cinco leões
de chácara e é expulso de um inferninho por infringir as regras da casa:
"tocou" numa dançarina, quando podia somente pendurar-lhe dinheiro na
tanga. Balotelli passa a noite num cassino, abiscoita 28 mil (R$ 72 mil) e, na
saída, dá 1.000 a um mendigo. Balotelli é parado numa blitz e o guarda quer
saber por que ele carrega £ 5 mil em cash espalhadas no banco do passageiro:
"Porque eu posso. Sou rico". Balotelli ganha 4,5 milhões por
temporada. Balotelli se define: "Quando decido marcar um gol vou lá e
marco. Eu sou um gênio. E os gênios são tão diferentes que as pessoas não os
compreendem". Balotelli tem só 21 anos.
E também sofre preconceito. Onde quer que vá, das
arquibancadas lhe jogam bananas - aconteceu agora mesmo na Euro disputada na
Ucrânia e na Polônia. Gritam-lhe "preto bastardo", "volte para a
África". Imitam macacos. Estendem faixas onde se lê que "não existem
italianos negros". Filho de imigrantes ganeses e nascido em Palermo,
Balotelli é o primeiro jogador não branco a defender a seleção da Itália. É
italiano de nascimento e papel passado, porque ao atingir a maioridade, podendo
optar entre sangue ou terra, escolheu a cidadania da família de Brescia que o
criou desde os dois anos, depois de ser abandonado pelos pais biológicos.
"Sou italiano, negro e orgulhoso de minhas raízes africanas. Não tolero o
racismo. É incrível que ainda aconteça em 2012. Eu vou para a cadeia, porque
ainda mato um", já disse.
Na segunda-feira, ele marcou um golaço contra a Irlanda.
Puxado pela camisa e de costas para o gol, acertou um incrível sem-pulo, meio
assim, de revestrés, e colocou a Itália nas quartas de final da Euro. Porque
Balotelli também sofre de contradição. Com a bola nos pés, não poderia ser
menos italiano. É um africano da gema, e dos bons. "Lembra o George
Weah", analisa o jornalista lombardo Enzo Palladini, citando o craque
liberiano que atuou pelo Milan. Balotelli dribla, é imprevisível, abusado, dado
ao espetáculo. Puramente instintivo. Nem sempre acerta, quase sempre exagera. Um
tipo de jogador que a escola italiana, suprassumo da eficiência monótona,
raramente oferece ao mundo. Então, depois do gol na Irlanda, em vez de
comemorar, ele parou e urrou. E o zagueiro Bonucci veio tapar-lhe a boca.
Disseram que xingava a mãe - a do treinador que o deixou na reserva, a dos
paparazzi que o perseguem, a dos xenófobos que o humilham. Bonucci sentiu o
drama: "Ele tinha tanta raiva no corpo..."
Raiva demais. Em 2008, quando se tornou um jogador de sucesso na Inter,
seus pais biológicos reapareceram para dizer que a história do abandono não era
bem assim. Thomas e Rose Barwuah contaram que Mario, caçula de quatro irmãos,
nascera com um problema de formação no intestino e precisou ficar dois anos no
hospital. Ali, uma assistente social os convenceu a entregá-lo a Silvia e
Francesco Balotelli, um casal humilde, com três filhos, mas em melhores
condições de cuidar do menino. Balotelli deu de bico: "Por 16 anos eu não
recebi nem um telefonema no dia do meu aniversário. Agora eles choram na TV e pedem
o meu amor. Pra mim, são dois estranhos. Esses pedidos tardios e oportunistas
não serão atendidos, porque se eu não tivesse me tornado Mario Balotelli
continuaria não importando aos senhores Barwuah".
Naquele 2008, o irmão adotivo Giovanni, um chefe-escoteiro,
o trouxe a Salvador para passar o Natal numa ONG que cuida de crianças
abandonadas. Queria que Balotelli se sentisse mais acolhido entre outros
afro-descendentes. "Foram dias ótimos", relembra Irmã Rafaella
Corvino, que recebeu o atacante na capital baiana. "Mario jogou bola
descalço, se divertiu, estava em paz. É um menino sensível e generoso. Mas
carrega a eterna agonia dos deixados pela mãe. É um sentimento muito duro, o
espírito jamais sossega."
E Balotelli sofre, por fim, disso: falta de sossego. No
começo da Euro, foi com a delegação italiana ao campo de concentração de
Auschwitz, perto de Cracóvia. Viram-no chorar. E ele disse algo que ainda não
havia dito. Os avós de sua mãe adotiva morreram ali, na câmara de gás.
"Tenho orgulho de estar aqui para homenageá-los." Foi o suficiente
para o site nazista italiano Stormfront se fazer ainda mais ridículo e
criminoso: "Ele é negro e judeu. Deveria jogar por Israel, não pela
Itália". Why always me?
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