Tom Jobim tinha 36 anos quando lançou a famosa “Garota
de Ipanema”, música dele e de Vinícius de Moraes. Diz que já se sentia velho,
levava uma vida “na esbórnia”, não entendia inglês e assinou um contrato que
acabou entregando a garota quase de graça (levou 800 dólares como
adiantamento de direitos autorais) para os americanos.
Por Christiane Marcondes*
Se a sua carreira não tivesse seguido em altos e
agudos. o péssimo acordo poderia ter lhe rendido o mesmo destino de “morte na
sarjeta” de muito compositor de uma música só.
É Tom que conta a seguir, em texto próprio, o destino
de Garota de Ipanema, apresentada ao público oficialmente em 2 de agosto
de 1962, no restaurante Bon Gourmet, no bairro vizinho de Copacabana. No mesmo
ano, o cantor Pery Ribeiro fez a primeira gravação.
A disputada garota acabou ficando com um yankee, o
arranjador Norman Gimbel, que é quem embolsa o dinheiro com as reedições da
música. Mas Ana Jobim, a viúva, não deixa barato: até hoje, ela briga na
justiça norte-americana pela recuperação dos direitos autorais. Sua motivação é
afetiva e ética, o lado financeiro é o que menos conta, ela declara.
Vale registrar que, em versão instrumental ou em
português, inglês, italiano, francês, Garota de Ipanema já foi
gravada e regravada mais de 200 vezes, 40 delas apenas entre 1963 e 1965. Entre
os intérpretes estão cantores de todos os gêneros e tempos, tão díspares quanto
Ella Fitzgerald e Amy Winehouse, The Supremes e Louis Armstrong, Cher e o
flautista clássico James Galway. E, claro, Frank Sinatra, o homem que conseguiu
fazer Jobim embarcar em um avião para fazer um dueto com ele nos Estados
Unidos. Ou seria um “trio”, considerando-se a presença ostensiva da Garota no
estúdio e no imaginário popular?
A garota no tom da bossa, por Jobim
“O contrato com a Garota de Ipanema rende menos
de um centavo de dólar por gravação da música. Quando nós assinamos o contrato,
recebi de adiantamento 800 dólares. No contrato tem a cláusula de que depois de
28 anos a música volta para os autores. Como vários compositores americanos
morreram muito mal, na sarjeta mesmo, porque venderam todos os direitos aos
editores e depois ficaram sem nada, eles inventaram uma cláusula, que depois de
28 anos a música volta para o autor. Esse prazo se esgotou recentemente e eu
seria o feliz possuidor de Garota de Ipanema, mas eles botaram uma outra
cláusula no contrato que diz o seguinte: Dentro de 28 anos, a música volta
para os autores. Nós temos a opção por mais 28 anos. Então, são 28 mais 28. Se
você não falar nada, é renovada automaticamente. Se falar, não adianta, porque
eles têm a prioridade. Podem ficar com "Garota de Ipanema" 28 mais 28
anos, o que daria 56 anos. Como o Vinicius morreu, a parte dele reverteu para
os herdeiros, que ficaram com a outra metade da Garota de Ipanema. A MCA
propôs uma renovação mediante modesta quantia e os herdeiros toparam.
Nessa renovação, fiquei sabendo que eu não tinha direito à
música de volta. Tanto é que eles não tiveram que me pagar nem um tostão.
Continuo esse contrato, que foi discutido por estrangeiros. Quando o primeiro
contrato foi feito, nosso inglês não dava para isso, para ler contrato. Essas
músicas todas de parceria com o Vinicius, que se tornaram importantes, eu
dividia com ele e com todos os letristas que entraram. Tem 50% da editora. O
restante dos 50% para dividir entre os autores. Rachado, dá 25% para cada um,
25% nessa coisa ínfima que é o direito autoral, mas já é alguma coisa. Acontece
que entra o Norman Gimbell. Minha parte era dividida com ele, o versionista. Se
entraram 10 letristas, nós dividiríamos com 10 pessoas. No caso da Garota,
entrou o Norman Gimbell. Então, esses 50% estão divididos por três, Norman,
Vinicius de Moraes e Tom Jobim. Depois que você passa por tudo isso, vê que não
pode ser comparado com os Beatles. Eles têm outros contratos, fizeram sua
própria editora.
Getz, o parceirão, e o saxofonista da esquina
Stan Getz foi legal comigo, mandou me dar uns royalties,
que eram rachados. Eram uns royalties de 12%, uns royalties bons porque eles
eram famosos, 6% para cada um. Stan Getz se bateu para que o Creed Taylor
botasse lá no contrato 0,5% dos royalties dos 6% do Stan Getz para mim. O João
também daria, mas o João chiou. Disse que eu já era arranjador, já tinha pose e
ganhava direito autoral. Mas deu. Eu fiquei com 1% desse disco,
o Getz-Gilberto, que vendeu mais de 1 milhão de cópias de saída, por causa
da Garota de Ipanema. Esses números, naquele tempo, eram fantásticos.
A Corcovado Music fui eu que fiz, aliás a Thereza que me
obrigou a fazer uma editora. Thereza está no meu testamento, tem a Aninha, tudo
igual, não admito reclamações. O testamento foi feito inclusive não só aqui
como em Nova Iorque. Você morre e vem a briga entre países pela grana. Eu fiz a
editora em 63. Me lembro da Thereza andando comigo pela rua, naquele frio,
naquela neve de dezembro ou janeiro de 63, porque o show tinha sido em 62. Ela
tinha alergia ao frio e começava a coçar, ela botava meia e coçava. Ela
disse:Você vai lá, porque eu não posso ir. Tomou um táxi e foi se esconder no
apartamento que nós tínhamos alugado, na rua 90, e eu fui fazer a Corcovado
Music.
Quando fiz a Corcovado, em 63, todas essas músicas já
estavam editadas. Eu não tinha nem mais coragem de refazer uma vida toda,
porque já estava com 36 anos e me considerava um velho, naturalmente. Aquela
vida na esbórnia, no álcool, no cigarro. A Corcovado foi pegando essa coisas
que não têm tanta importância. Mas a Corcovado tem Águas de março,
tem Wave. Wave, eu me lembro que trabalhei como um louco para fazer a
letra em inglês. Deu mais trabalho do que a de Águas de
março. Wave tem aquele saxofonista que ficava na esquina tocando e
recebendo cinco centavos. Quando eu passava, pegava o dinheiro e dizia:
"Fui eu que fiz a música". (risos)
*Com informações do site
oficial de Tom Jobim
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