Como a História nos mostra, poder e crise são
categorias companheiras. Quando as sociedades se poupam de crises, privam-se de
dinamismo e se arrastam em pausas sonolentas. O confronto político, por mais irritante
seja, é necessário à vida, e evita os conflitos sangrentos.
Por Mauro Santayana, em seu blog
A corrupção dos poderosos – e não do poder, em sua
natureza abstrata – é infecção quase endêmica e associada ao surgimento da
propriedade privada sobre os bens comuns. Ter mais é ter mais, seja de que
forma for. Para fazer frente a isso, os homens criaram o Estado, em sua origem
e fim destinado a assegurar o mínimo de justiça e encarnar a solidariedade da
espécie. Mas o Estado é também assaltado, o que exige a vigilância e a
resistência dos cidadãos. E, em nome da moralidade do Estado sempre se instalam
as ditaduras sangrentas (e igualmente corruptoras e corrompidas). Não
precisamos nacionalizar essa constatação.
A semana começa inquieta com revelações atribuídas a
Marcos Valério, um homem comum e ambicioso, que se tornou, pelas
circunstâncias, o eixo da Ação 470, em julgamento pelo Supremo Tribunal
Federal. Ele sabe que sua sorte já se encontra decidida, e nada irá evitar a
pena a lhe ser imposta pelos seus julgadores. Por isso, busca mostrar-se como
mero instrumento de uma conspiração com financiamento espúrio, mas não foi bem
assim. Atuou com inteligência tática, construindo um projeto de elaborada
engenharia econômica e de convencimento político. É certo, e já dissemos isso,
que, movendo-se entre banqueiros – que seriam os grandes beneficiários do
esquema – ele agiu com ilusão de classe.
O jovem de classe média de Curvelo, por mais êxito
colhesse em suas atividades comerciais, era um outsider nos encontros com os
representantes das oligarquias com quem articulava os negócios hoje devassados.
Tampouco era do ramo nos atos políticos. Ao que se sabe, as suas relações não
se limitaram ao PT. Os publicitários profissionais raramente têm ideologia.
Quando a têm, agem como os advogados, que quase sempre defendem causas sem que,
necessariamente, com elas concordem.
Valério fazia negócios e reunia os interessados em influir
sobre a administração do Estado, como os banqueiros, - não só os que foram
arrolados na ação em julgamento - e os políticos que necessitavam de recursos
para a construção ou manutenção de seus espaços no parlamento e no poder
executivo.
Ele tinha consciência do que fazia, obtinha seus lucros,
aplicava-os e procurava dar o melhor conforto material possível à família. Como
tantos outros no passado brasileiro, ele esperava usufruir da impunidade dos
grandes. Se os grandes se salvassem, deveria ser esse o seu raciocínio, ele
estaria também a salvo. As declarações de Marcos Valério estão sendo usadas
politicamente: a disputa pelo poder não é uma partida de golfe. Mas se
equivocam os que pensam na hipótese de desestruturar o governo atual, sem
comprometer a estabilidade do Estado.
É preciso ver a reação de Marcos Valério em suas dimensões
e motivos reais, como a vêem os ministros do STF, e sossegar os incendiários de
turno. Os cidadãos sensatos devem separar as coisas. O julgamento dos fatos
pelo STF demonstra que as instituições estão começando a funcionar para valer
em nosso país, e que, conhecido o veredicto do Tribunal, o Brasil continuará a
existir com seus quase duzentos milhões de habitantes – acrescidos, todos os
dias, dos que nascem – com seu direito a conhecer, criar com seu trabalho,
buscar a felicidade para os seus e, o que é inerente à condição humana,
participar dos embates políticos que dão movimento à História. Até agora,
ninguém, de bom senso, está dando importância às declarações de Valério. Elas
soam como moedas de barro.
Mas será um desperdício dos esforços do STF e das emoções
dos democratas, apreensivos com o desalento político, se o episódio não servir
para uma profunda reflexão dos que podem decidir, no sentido de realizar a tão
esperada e necessária reforma política, de forma a libertar o voto do poder
econômico e, com isso, dar legitimidade aos governos e ao Estado. É preciso
insistir nesse propósito, até que a razão se imponha.
O primeiro passo deve ser o do financiamento público das
campanhas. Por mais oneroso possa ser esse investimento, o Tesouro despenderá
nele muito menos do que, indiretamente, despende hoje. E todos terão a mesma
oportunidade de expor idéias e programas, se a lei for bem elaborada.
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