As mídias eletrônicas frequentemente são
superestimadas, mas elas carregam potenciais contraditórios. Uma revisão a
partir do caso da Colômbia.
Por Raul Zelik*, Revista Humboldt
É lugar comum dizer que a mídia eletrônica e as redes
sociais transformam a política e os movimentos sociais. Tuitar tornou-se uma
forma de comunicação bastante disseminada. Em vários países europeus, os
“piratas” fizeram surgir partidos que querem ampliar as novas possibilidades de
comunicação eletrônica até o nível de um programa social, e as revoltas da
Primavera Árabe chegaram a ser consideradas “revoluções Facebook”.
Empatia nos encontros interpessoais
Mas há boas razões para contrariar a euforia generalizada.
Em entrevista (ao jornal basco Gara) alguns meses atrás, o teórico espanhol
César Rendueles apontou para as incongruências do discurso. Segundo Rendueles,
não associamos o século XIX à “revolução do jornal [ou do livro]” só porque as
mídias de papel tiveram um papel central naquela época. Segundo ele, movimentos
sociais não são gerados pelos meios tecnológicos por eles utilizados – nem no
Norte da África, onde somente uma minoria da população tem acesso à Internet,
nem na Europa.
Rendueles, ele próprio um ativista do movimento espanhol 15-M,
descreveu a nova onda de protesto em seu país como antitecnológica. “As pessoas
saíram às ruas porque estavam fartas de se comunicar pela rede e de se insultar
nos fóruns.” Neste sentido, os meios eletrônicos no caso do movimento 15-M
ajudaram a combinar os protestos fora do âmbito de partidos e sindicatos. Mas
não conseguem produzir empatia e solidariedade, características que definem o
núcleo de qualquer movimento social. Empatia é um sentimento que continua
aflorando no encontro interpessoal direto.
Glorificação da tecnologia e determinismo histórico
Neste sentido, o entusiasmo pelas redes sociais muitas
vezes segue sendo estranhamente ingênuo. No passado, a esquerda marxista e seu
“materialismo histórico” foram (justificadamente) acusados de reduzir a
História a um mero processo mecânico, por derivar realidade social de
desenvolvimentos tecnológicos. No momento em que Facebook e Twitter são alçados
ao status de forças modeladoras da sociedade, este determinismo histórico, no
entanto, volta com nova roupagem. Neste processo, não apenas se superestima o
efeito das mídias, mas também se abre mão de qualquer tipo de crítica em
relação às novas tecnologias.
Pois, apesar das possibilidades participativas da Web 2.0,
em que qualquer pessoa pode criar seu próprio blog ou sua própria página, o
espaço eletrônico é tudo, menos uma estrutura isenta de relações de poder. Até
na rede virtual, os grandes conglomerados da mídia e as grandes empresas têm
bem mais chances de encontrar eco do que iniciativas de grupos de cidadãos ou
de indivíduos. E os filtros de conteúdo viraram parte do cotidiano na rede – e
já há muito não apenas nos países de governos autoritários. Empresas
particulares como o Facebook usam a possibilidade de bloquear certas páginas ou
de tirá-las de seus servidores, às vezes por razões políticas. A rede pode ser
mais permeável do que as mídias tradicionais, mas isso não quer dizer que o
espaço virtual esteja fora da sociedade.
A prova dos nove: o caso da Colômbia
Portanto, transformações políticas através de mídias
eletrônicas precisam ser debatidas sempre a partir de exemplos concretos.
Tomemos o caso da Colômbia: embora ali a taxa de pobreza continue elevada e a
aquisição de equipamentos eletrônicos continue restrita a uma minoria, os novos
meios de comunicação chegaram para ficar. Mesmo nos bairros pobres, a maioria
da população já dispõe de telefones celulares que – equipados com chips
pré-pagos – não garantem nenhuma liberdade de comunicação, porém acessibilidade
(em relação aos patrões, às instâncias do governo ou amigos). É verdade que a
maioria não tem acesso próprio a computador e Internet, mas pelo menos os mais
jovens podem entrar na rede através de bibliotecas, universidades, escolas ou
cibercafés. Apesar de todas as limitações, Facebook, Twitter ou YouTube,
portanto, fazem parte integrante da realidade social.
Os canais de comunicação da política se modificaram
proporcionalmente. Isso se manifestou nitidamente na estratégia de comunicação
do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe. Este político originário de Medellín,
que durante oito anos conduziu o país num rumo de direita conservadora,
utiliza-se das mídias eletrônicas desde o fim de seu governo, em meados de
2010, a fim de influenciar a situação política do país. Quase diariamente, Uribe
tuíta diversos comentários breves para seus mais de 800 mil seguidores com
duros ataques contra juízes, políticos ou jornalistas críticos. Suas mensagens
através do Twitter provam que a forma tem efeito sobre o conteúdo, pois sua
brevidade aguça ainda mais o tom agressivo do discurso de Uribe.
Mobilização através da Internet
Mas as mídias eletrônicas também abriram novas
possibilidades para os movimentos de oposição. Assim, a campanha presidencial
de 2010 do ex-prefeito verde de Bogotá, Antanas Mockus, não por último deve sua
força mobilizadora às mídias eletrônicas. Como o Partido Verde da Colômbia só
foi fundado pouco antes do início da campanha eleitoral sem um programa
político genuíno, Mockus entrou na corrida praticamente sem qualquer organização
partidária. A “onda verde” posta em marcha nas mídias eletrônicas (e apoiada
por algumas grandes empresas de comunicação) impulsionou sua popularidade de
forma inesperada e o transformou no principal candidato de oposição. Mockus se
tornou símbolo de um movimento civil que clamava por uma alternativa aos
aparatos partidários clientelistas. Sua campanha foi sustentada pela
participação dos usuários da Internet que, na rede, tornaram-se cabos
eleitorais, percebendo-se enquanto movimento civil.
Este exemplo, no entanto, também aponta para os limites
deste tipo de mobilização. O apoio nas mídias eletrônicas usadas
(principalmente pelas camadas de classe média) somente se transformou em votos
de forma restrita. Em última análise, a “onda verde” não teve chances contra as
máquinas eleitorais dos grandes partidos. No segundo – e decisivo – turno
eleitoral, o candidato dos partidos tradicionais, Juan Manuel Santos, obteve
nove milhões de votos, enquanto seu opositor alternativo Mockus não passou de
decepcionantes 3,5 milhões de votos. Neste sentido, seria possível afirmar que
a “onda verde” permaneceu virtual – fenômeno midiático que, em primeira linha,
seguia limitado às classes médias urbanas.
O problema da campanha eleitoral nas mídias sociais também
se revela através de outro aspecto: a mobilização via Internet permaneceu
fugidia. O jovem Partido Verde foi “midiatizado” enquanto força da oposição,
mas de fato não tinha condições de preencher o papel. Poucos meses depois da
derrota eleitoral, as principais correntes do jovem partido de fato se
desentenderam, enquanto seu ex-candidato Mockus até saiu do partido. Dessa
maneira, os verdes colombianos também permaneceram “virtuais” no plano da
organização. Mesmo assim, desenvolveram um efeito bastante real (e problemático):
deslocaram outros movimentos de oposição, já mais consolidados, da opinião
pública, até mesmo enfraquecendo dessa maneira a oposição política.
Efeito ambivalente
O terceiro exemplo de digitalização da política,
finalmente, pode ser o movimento estudantil surgido em 2011. No final daquele
ano, todas as universidades públicas fizeram greve contra a reforma da educação
planejada pelo governo Santos com a finalidade de pressionar pela privatização
e administração das faculdades como se fossem empresas. Depois de seis semanas
de protestos, o governo Santos – tendo em vista a queda de popularidade de seu
colega chileno Sebastián Piñera desencadeada por uma onda de protestos
semelhante – viu-se obrigado a desistir da reforma.
O movimento universitário colombiano também se baseou
fundamentalmente nas mídias eletrônicas. Embora muitas universidades ficassem
vazias depois do anúncio da greve e a maioria dos estudantes tivesse ficado em
casa, graças às redes eletrônicas o movimento conseguiu mobilizar as pessoas
com sucesso para assembleias gerais e levar centenas de milhares de pessoas
para as ruas nos dias de protesto. Sem as redes sociais, portanto, o movimento
teria decaído rapidamente. A comunicação digital permitiu àqueles que estavam
em casa manter-se a par da situação e participar de ações pontuais. Mas até
nesse aspecto o efeito da digitalização foi ambivalente. Se, de um lado,
páginas do Facebook e blogs evitaram a derrocada do movimento e permitiram a
coordenação dos protestos com outros movimentos latino-americanos, por outro
também legitimaram a postura tendencialmente passiva da maioria dos estudantes.
Somente uma pequena minoria participava das discussões e atividades diárias. Em
última análise, as mídias digitais abriram mais portas para a delegação de
trabalho e tarefas do que à participação.
Chances… apesar dos riscos
Estes exemplos tornam claro que, como qualquer outra
tecnologia, as mídias digitais carregam em si potenciais contraditórios.
Possibilitam a participação, processos decisórios mais horizontais e formas de
organização mais “fluidas”, mas contêm também o risco de limitar a participação
a atos virtuais, impedindo processos de discussão e organização mais
sustentados. Como sempre, depende das próprias pessoas envolvidas, das condições
sociais e dos movimentos civis quais desses potenciais se desenvolvem com mais
força. As mídias eletrônicas escancaram as portas rumo a uma real
democratização da sociedade, para além dos limites de Congresso, partidos
políticos e expertise tecnocrática, mas promovem também a fragmentação, a
despolitização e a superficialidade. Para que os movimentos da sociedade civil
possam se aproveitar produtivamente das possibilidades, elas precisam ir ao
encontro das novas oportunidades, sem confiar cegamente nelas. Em primeiro
lugar, como tantas outras vezes, está a capacidade crítica. Só quem compreende
o jogo de poder que existe na tecnologia pode se aproveitar dela no sentido da
emancipação.
* Raul Zelik (1968, Munique), é escritor e professor
de Ciências Políticas da Universidade Nacional da Colômbia. É autor de vários
livros de não ficção, bem como de literatura ficcional e de reportagens
radiofônicas. Em 2011 foram lançados seu romance El amigo armado e seu livro de
ensaios Nach dem Kapitalismus. Perspektiven der Emanzipation
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