CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

16.1.11

Artigo

Fábio Farias - jornalista

Assisto ao noticiário nacional com perplexidade. Um batalhão de mortos no Rio de Janeiro. Corpos e mais corpos encontrados, famílias destruídas, uma tragédia de grandeza que o Brasil nunca viu antes. As enchentes na região serrana do Rio apenas provam o que já é óbvio e clichê quando falamos sobre as políticas públicas desse país: há descaso.

Em meio às notícias da catástrofe, um fio de lucidez da consultora da ONU, Debarati Guha-Sapir, em artigo para o jornal Estado de São Paulo: Brasil não é Bangladesh. A culpa da tragédia é do poder público. Ou melhor, da ausência dele. Os órgãos competentes sabiam, pelo menos há 20 anos, que aquela área representava risco de inundação. Mesmo assim nenhuma medida foi tomada. Por quê?

Historicamente viemos de uma tradição política em que o conceito de público, no sentido de que abrange a todos os cidadãos, nunca foi respeitado. Da independência ao fim da ditadura militar, todos os governos assumiam compromissos com um determinado setor econômico brasileiro, que ditava as regras de acordo com interesses de pequenos grupos.

Basta abrir qualquer livro de história. A independência, em 1822, só foi concretizada porque a elite agrária brasileira assim o quis e a financiou. Na época, ser colônia de Portugal dava prejuízos. Em 1888, na proclamação da república, não foi diferente. Para a elite, agora cafeeira, ser um império não era mais tão bom para os negócios, era melhor ter um presidente que fizesse parte, intimamente, do principal grupo econômico do país.

A república velha, a política do café com leite, o estado novo e a ditadura militar. Todos esses períodos políticos existiram e foram embasados para favorecer poucos, com raríssimas exceções. A educação pública do Brasil, falha e deficiente, é o melhor reflexo e herança desse passado. A situação mudou a partir de 1988 com a instalação do atual regime democrático que nos institui – ao menos constitucionalmente – como um país onde o poder emerge da maioria.

Do fim da década de 80 para cá passaram mais de 20 anos. E mesmo com avanços pontuais – na área econômica com Fernando Henrique Cardoso e na social com Lula –, muito ainda deixou de ser feito e a cultura política, para determinados gestores, não mudou. Essa estagnação na forma de pensar de representantes que ainda são eleitos é suficiente para garantir essa falência em serviços essenciais ao cidadão que deveriam ser prestados pelo Estado.

Um exemplo: o Rio Grande do Norte. É uma tarefa difícil pensar em um serviço público que funcione em grau satisfatório, mesmo muito deles garantidos por lei. O Estado é deficiente em praticamente todas as áreas. Da segurança pública à educação, da saúde, até a política social. A raiz do problema é a cultura política coronelista impregnada nos nossos gestores. Mudou a forma de escolher nossos governantes, mas não mudaram as formas mesquinhas de administrar adotadas por eles.

Não dá para culpar apenas determinados grupos políticos pelo o fracasso de grande parte do serviço público. A falta de um conceito de cidadania na própria população contribui para esse ciclo vicioso. É preciso vigiar, é preciso cobrar daqueles que elegemos, é preciso entender a importância do voto e, a partir daí, ser seletivo e criterioso na hora de dá-lo a algum candidato. O brasileiro – sempre acostumado às migalhas – leva tudo numa “esportiva” que, no final das contas, acaba por beneficiar apenas aqueles que mantêm essas políticas coloniais e ultrapassadas no país.

Não é uma questão aqui, também, de ser de direita ou esquerda, de como pensar a economia, o Estado e o próprio serviço público. É uma questão de incompetência e da necessidade do país em eliminar a corrupção. Ela, a filha direta dessa cultura política colonial, e ainda alimentada por muitos que estão no poder. É a falta de lisura – ou para falar em um português claro – o canalhismo puro e simples de muitos que estão lá que leva ao descaso dos serviços essenciais que o Estado deveria fornecer e que, conseqüentemente, trazem tragédias como esta do Rio de Janeiro.

O mais irônico é pensar que muitos desses políticos assistem à tragédia carioca no conforto dos seus gabinetes e, talvez, sem um pingo de ressentimento causado pelo mal que ainda fazem, mesmo sendo indiretamente culpados pelos mais de 500 mortos no Rio de Janeiro. Uma tragédia anunciada, fruto de uma negligência histórica. Se vai servir de lição? É muito otimista pensar. Mas deveria, ao menos, servir de reflexão para que catástrofes como essa não se repitam no futuro.

1 comentários:

  • Enquanto elegermos politicos por que são bonitos, filhos de politicos, ou gastam rolos de dinheiro para se elegerem, vai dar nisso. Isso tudo é a falta de uma politica urbana, de habitação, de esgotamento sanitario, de drenagem. Ou os prefeitos se conscientizam do seu papel que a constituição que é o guardião do uso e ocupação do solo ou veremos isso ai todo chuva mais intensa que ocorra. São paulo é uma vergonha. É uma falta de poder público que dá até dó. Gastasse verdadeiras fortunas em propaganda para divulgar a imagem do gestor e não se investe quase em campanhas de esclarecimento ou mesmo numa estrutura de fiscalização para punir qauem coloca lixo na rua. Isso é uma vergonha.
    Manoel Marques

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