Reproduzido do blog Código Aberto, 27/8/2011; título original “As novas obrigações da imprensa como espaço político”
* Por Carlos Castilho – Observatório da Imprensa em 31/08/2011 na edição 657
O
espaço político contemporâneo transferiu-se para os veículos de comunicação.
Esta frase cunhada pelo sociólogo espanhol Manuel Castells já é quase um lugar
comum entre os eleitores, mas a imprensa faz de conta que não tem nada a ver
com a questão. Não há mais política sem os veículos de comunicação em massa,
que foram transformados no ambiente preferencial para a definição do poder. As
hegemonias não se decidem mais no Parlamento, mas nas manchetes de jornais e
dos telejornais.
Esta
constatação já é corrente entre os pesquisadores da política contemporânea, mas
ainda questionada pelos parlamentares e pela imprensa por causa de interesses
corporativos. Deputados e senadores resistem a admitir que as sessões do
Parlamento deixaram de ser relevantes como ambiente para a produção de atos políticos
para se transformarem em cenário para protagonismos cênicos voltados mais para
as câmeras e microfones do que para o plenário. Já a imprensa acredita que
continua sendo uma observadora isenta, quando de fato está fornecendo a matéria
prima para que os marqueteiros formatem as mensagens que chegarão até nós, os
consumidores de informações.
Mais
diversidade
O
tema parece complicado porque vai contra ideias, valores e comportamentos
estabelecidos há tempos. Mas é quase óbvio. A midiatização da política, ou o
que Castells chama de “política informacional”, é o resultado de um processo
bem antigo e que no fundo está diretamente ligado a um fenômeno conhecido por
todos nós – o crescimento demográfico e a democratização do acesso à
informação. Quando poucas pessoas estavam habilitadas a participar da política,
votando ou não, e quando os canais de comunicação eram escassos, a política
acontecia de forma direta, sem a necessidade de intermediários com a imprensa.
Mas,
na medida em que a população do planeta cresceu, os veículos de comunicação de
massa foram se tornando cada vez mais necessários para intermediar a relação
não apenas entre as pessoas comuns, mas entre elas e os tomadores de decisões e
os governantes. O avanço da tecnologia também contribuiu, e muito, para que
essa intermediação se tornasse cada vez mais complexa e generalizada. Como era
inevitável, a intermediação gerou uma indústria altamente lucrativa no segmento
da informação e do entretenimento. Não houve nenhum maquiavelismo premeditado
no desenvolvimento da grande aldeia global prevista por Marshall McLuhan.
O
problema surge quando os políticos e os executivos da indústria da comunicação
ignoram ou minimizam as mudanças ocorridas na esfera da comunicação provocadas
pelo surgimento da digitalização, da computação e da internet. Os políticos
fazem de conta que a política ainda é decidida nos parlamentos e nas urnas
porque este é o ambiente que eles conhecem e controlam. Por sua vez, os
executivos da indústria da informação e entretenimento, hoje cada vez mais
entrelaçadas (infotainment), agarram-se ao discurso construído em torno a uma
imprensa que já não existe mais, aquela em que a notícia era isenta de
interesses políticos e onde as empresas eram movidas pela mais genuína
preocupação com o público.
A
transformação da mídia em espaço político preferencial, como conseqüência das
mudanças ocorridas na realidade social e econômica, altera irremediavelmente as
bases sobre as quais se apóia o discurso tanto dos políticos como da indústria
do infotainment. Os políticos sabem que hoje uma campanha eleitoral não depende
mais de propostas e ideias, mas de um bom marqueteiro, de muito dinheiro e um
ágil assessor de imprensa. Os eleitores sabem que, uma vez eleitos, a grande
preocupação dos políticos é garantir recursos financeiros para a próxima
eleição.
Por
seu lado, a indústria da comunicação usa a relevância que lhe foi dada pela
evolução social, econômica e tecnológica da sociedade para ganhar dinheiro,
apoiando-se num discurso que poderia ter sido válido no início do século 20,
mas que hoje perdeu seu significado. A imprensa não é mais uma observadora
imparcial e distante, mas é parte essencial do jogo político. Sem ela, todo o
modelo das eleições diretas, da transparência econômica e administrativa, da
prestação de contas dos governos e da participação popular torna-se letra
morta.
A
indústria dos jornais nega-se a reconhecer esta mudança porque isso
significaria reconhecer que é parte interessada, ou pelo menos beneficiada, no
jogo político. Portanto teria que mudar seu discurso. Em vez de cada jornal se
apresentar como o mais isento, fidedigno e objetivo – adjetivos que se tornaram
inócuos diante do aumento da complexidade informativa –, teria que passar a
defender a diversidade de veículos de informação e a transparência corporativa,
já que são protagonistas efetivos do jogo político e o eleitor precisa conhecer
quais os interesses que movem cada empresa jornalística.
Futuro
modelo
A
midiatização da política não implica a eliminação das indústrias da comunicação
e da informação. As empresas jornalísticas continuarão sendo parte do sistema
de comunicação pública. Não podemos cair na ilusão de que o governo, seja qual
for o seu nível (federal, estadual, municipal ou local), é capaz de garantir a
diversidade, transparência e contextualização (causas, conseqüências,
beneficiados e prejudicados) das noticias e informações oferecidas ao eleitor.
Atualmente, os governos são exercidos por políticos que como tal têm
interesses, logo a instituição acaba contaminada por esses mesmos interesses.
Ainda
é impossível vislumbrar qual será o modelo futuro da imprensa e da comunicação
num ambiente onde a informação é a matéria prima mais valorizada. Mas uma coisa
já sabemos. A imprensa precisa mudar o seu discurso, suas responsabilidades e
comportamentos numa era em que a sua matéria prima, a informação, tornou-se uma
espécie de DNA de nossa existência civil.
*Carlos
Castilho é jornalista e professor universitário
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