“Eu
tenho um sonho.” Essa frase praticamente define a ação do grande líder Martin
Luther King (o rei da causa negra, eu diria), que passou a vida lutando pela
igualdade de direitos entre brancos e negros nos Estados Unidos, em um tempo
que privilegiava o homem branco no transporte, nas escolas, na cidadania. Foi
assassinado em 1968, exatamente por lutar pelas conquistas que ele ajudou a
serem alcançadas.
Por
Sócrates*
Com
destemor e liderança, Luther King enfrentou os maiores obstáculos, insurgiu-se
contra a guerra e a discriminação. Marcou época em um período de grandes
transformações sociais.
O
mesmo ano de 1968 ficou marcado pelas manifestações dos estudantes na Sorbonne
parisiense, que ergueram barricadas em sua luta por mudanças. “Nós somos
judeu-alemães”, era o grito que ecoava; queriam demonstrar que todos somos
iguais, sejamos negros, sejamos árabes ou brancos. Esse era o slogan daquela
juventude que lutava por liberdade, autonomia e independência. Provocaram
muitas mudanças, colocaram de cabeça para baixo qualquer tradição ou vício
social. Antes, as mulheres eram tratadas como menores e as opções sexuais como
fantoches. Daniel Cohn-Bendit simbolizou aquele movimento. Dani, como todos os
outros, também tinha um sonho.
Ellen
Sirleaf, a primeira mulher a ser eleita presidente da Libéria, Leymah Gbowee,
também liberiana e que liderou a chamada greve de sexo de suas compatriotas, e
Tawakul Karman, ativista iemenita, figura fundamental no país onde praticamente
se iniciou a Primavera Árabe, que derrubou boa parte dos antigos regimes de várias
nações árabes neste ano, foram agraciadas pelo Nobel da Paz de 2011 por suas
lutas pelos direitos das mulheres africanas, pela paz e pela democracia. Essas
fortes mulheres também têm um sonho.
Nelson
Mandela lutou a vida toda contra o apartheid, termo que explicita a segregação
racial então vigente na África do Sul, onde a população negra não possuía os
mesmos direitos políticos, sociais e econômicos que a minoria branca. Por isso,
permaneceu preso durante 26 anos. Nelson é autor de frases definitivas como: “Sonho
com o dia em que todas as pessoas se levantarão e compreenderão que foram
feitos para viver como irmãos” ou “não há caminho fácil para a liberdade”. Ou
ainda “a queda da opressão foi sancionada pela humanidade e é a maior aspiração
de cada homem livre” e “uma boa cabeça e um bom coração formam uma formidável
combinação”. Mandela até hoje corre atrás dos seus sonhos e aspirações de
liberdade, igualdade e fraternidade entre os homens. Um belo exemplo de
compromisso com seu povo e com a humanidade.
Entre
os brasileiros também encontramos idealistas natos, como Luiz Carlos Prestes,
que doou sua vida e até acompanhou a morte da mulher Olga, assassinada em um
campo de concentração nazista, por uma causa onde a justiça e a igualdade eram
os valores proeminentes. Ou Antonio Conselheiro, líder de Canudos, cuja guerra
foi tão bem relatada por Euclides da Cunha em Os Sertões. Com a gente paupérrima
e sofrida pela fome, seca e falta de perspectiva econômica e social, ele criou
uma comunidade de pura sobrevivência que foi esmagada pelo Exército brasileiro.
Como se perigosos fossem. O único perigo, como sempre, era o do exemplo que
poderiam dar a gente com os mesmos problemas. Eles também sonharam.
Inversamente,
há poucos dias, o presidente da Fifa veio a público para dizer que não há
racismo no futebol e que as agressões que ocorrem dentro de campo poderiam ser
resolvidas com um simples aperto de mãos. Uma visão cega e fascista da
realidade. Os negros estão expostos na sociedade ocidental desde sempre e isso
não desapareceu. A reação foi imediata e o fez recuar, mas um pensamento não
desaparece por causa do que provoca. Tentar esconder algo tão incrivelmente
absurdo é de uma ingenuidade que um ser de 70 anos não tem o direito de
possuir. Pior, utilizar análises simplistas como essa, para encobrir a
realidade daquilo que comanda, é pura perversão de caráter.
Nada
mais endêmico (junto com a corrupção) entre aqueles que comandam o futebol.
Certamente os negros de todo o planeta se sentiram agredidos, menos um: Pelé.
Que de preto parece ter somente a cor da pele. Ele não só corroborou com a tese
de Blatter, como acrescentou outras bobagens nascidas de seu pseudointelecto.
De uma coisa sabemos de há muito: Pelé jamais sonhou com o que quer que seja.
*
Sócrates é comentarista esportivo, foi jogador de futebol do Corinthians, entre
outros clubes, e da seleção brasileira.
Fonte: Envolverde
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