Meu
primeiro contato com o Henfil foi quando a Global Editora quis publicar uma
versão da revista Mafalda e o Quino exigiu: “Só se a tradução for feita pelo
Henfil”.
Por
Mouzar Benedito*
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Charge do Henfil / Grauna |
Mas
ele era ocupado demais. A solução foi alguém traduzir e o Henfil dar um toque
final. Paulo Schilling, que havia voltado do exílio e publicava livros pela
Global, me indicou para ser o tradutor.
Assim,
um dia nos reunimos: Henfil, Quino, Zé Carlos e eu, para tratar da tradução. O
Henfil convenceu o Quino de que a versão teria que ser meio pro portunhol, pois
as traduções com uma Mafalda italiana, portuguesa etc., não tinham a mesma
graça.
Mais
tarde, para mandar colaborações para o Pasquim, levava até a casa do Henfil,
que as mandava para o Rio. Ele se divertia com as minhas bobagens e me chamou
para trabalhar como “ator” no programa dele, de um minuto, na TV Abril (horário
comprado pela editora na TV Gazeta). Depois ele me contou que estava mesmo era
me preparando para encarar câmeras e virar ator como guerrilheiro no filme que
ele planejava, Deu no New York Times.
Mas
ele foi para o Rio e os planos mudaram. Mandei os originais do meu livro de
causos Santa Rita Velha Safada, perguntando se ele topava fazer a apresentação,
e ele me deu um monte de sugestões, mas bestamente acabei não fazendo as
mudanças que ele propôs. Mesmo assim, quando a Editora Busca Vida topou
publicar o livro, em 1987, ele fez a apresentação.
Mexendo
em papéis velhos, achei a carta do Henfil com as sugestões e me emocionei. E
resolvi mostrar pra todo mundo. É um misto de vaidade (sim!) e de reverência ao
grande cara que ele era. Aí vai…
Rio,
24/5/85
Mouzar
Putis!
Tô aqui + ou – recuperado das hospitalizações. Falta um pouquinho. E o filme
começou a andar. Tamos viajando para achar os lugares onde a ação se passa.
Mas, no meio disto tudo não pude deixar de ler duma vez só a tua literatura. Na
medida em que lia, uma ideia comercial ia se formando na minha cabeça. Acho que
há uma forma deste livro chegar a muita gente. Assim:
1)
Em vez de editar por uma editora elitista, pegar uma “Melhoramentos” ou algo
assim, destas que penetram em todas as livrarias do interior.
2)
Dirigir o livro para um público que raramente compra livros, o pessoal com
raízes no campo (no interior e nas grandes cidades!). Este pessoal adora
“causos”, se identifica com os personagens que se parecem com os da cidade
dele.
3)
Assim, evitar o palavrão desnecessário, para não virar uma linguagem do livro.
Só usar o palavrão quando for o fecho da história, como naquela do “buceta para
todo mundo”; Cortar tudo que for só sacanagem. Este público é moralista e
hipócrita. Gosta de vez em quando de uma coisa picante, mas muito, eles se
assustam.
4)
Observei que 90% do material que você escreveu conta uma mentira. Assim, para
tornar o livro enxuto, cortar tudo que não for “causo de mentira”,
primeiramente para honrar o novo título do livro que poderia ser Mentiras do
Sertão! (ou algo assim, desde que aparecesse a palavra “Mentiras”)
Acho
que assim, você chamaria a atenção deste leitor com raízes interioranas que
adora estes torneios de “causos” ou “mentiras”.
Se
você achar que é o caso, vai ter que tirar as historinhas que não honrarem o
título.
Posso
inclusive sugerir cortes. E, se der e quiser, até ajudo a enxugar o texto de
algumas para facilitar o entendimento do leitor do interior.
Enfim,
meti a colher fundo no livro que é teu. Mas acho muito difícil um tipo de
publicação tão terra, chegar ao gosto pasteurizado do habitual mercado de
consumo elitista. Que compra e não lê Cem anos de solidão. Agora, me diz: quem
compra Meu pé de laranja lima? São milhares…
Óbvio
que, acertado o público receptivo (interior), vamos chamar a atenção dos
outros.
Bão,
vê aí e eu, na medida em que pare aqui no Rio, vou te dando uma mão. Acho que
basta deslocar a sua estrada para oeste (interior do interior e das cidades) e
tudo vai funcionar. Só uma editora ampla poderá levar sua antologia… Ei! Olha
um bom nome para o livro: Antologia de Mentiras do Sertão… Quem sabe? Mas pode
ser só Mouzinas do Sertão.
Fala!
Abração.
Henfil
*Fonte:
Blog do Mouzar / Revista Fórum
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