O
jornalista e sociólogo Ignacio Ramonet, ex-editor do jornal francês Le Monde
Diplomatique, defendeu ontem (27) a criação e o fortalecimento de comissões da
verdade para que os crimes cometidos por ditaduras não sejam esquecidos nem
repetidos. Ramonet definiu o direito à memória como um novo direito humano, que
precisa ser respeitado e garantido às vítimas e à sociedade.
Luana
Lourenço, Agência Brasil
“O
relato do sofrimento e da resistência é indispensável para que novas gerações
conheçam melhor o que se passou. Para que a memória não se degrade, é
necessário que seja exercida em relação direta com o presente. É a única
maneira de evitar a impunidade e de evitar que o horror se repita”, disse o
espanhol, que atualmente coordena a Associação Memórias das Lutas, com sede na
França.
Ramonet
participou do debate Direitos Humanos, Memória e Justiça, numa sessão especial
do Fórum Social Temático (FST) e do Fórum Mundial de Educação, que ocorrem em
Porto Alegre.
Para
o sociólogo, o reconhecimento da memória tem que ir além de reparações
individuais às vítimas e às famílias de vítimas e precisa tornar públicos os
horrores praticados pelas ditaduras. Ramonet defendeu a criação de instrumentos
que permitam que toda a sociedade tenha acesso ao que ocorreu, como a
construção de monumentos, museus e e criação de datas nacionais de homenagem às
vítimas.
“O
que está em jogo é o direito das vítimas a uma reparação moral e o direito
coletivo
à memoria, a poder estabelecer oficialmente que a ditadura foi uma
abominação e que a impunidade é insuportável, a poder denunciá-la e proclamá-la
em museus, nos manuais escolares ou em dias de memória coletiva como o de
hoje”, disse, em referência ao Dia Internacional em Memória das Vítimas do
Holocausto, que se comemora nesta sexta-feira.
Ao
contrário das leis de anistia, que, segundo Ramonet, estimulam uma espécie de
“amnésia coletiva” em relação às ditaduras, as comissões da verdade devem
investigar e relembrar as violências praticadas durante os períodos
antidemocráticos. “A verdade é uma resposta essencial para as vítimas e os
sofrimentos devem ser reconhecidos publicamente. É preciso saber em que
condições se violaram os direitos humanos dessas pessoas e quais foram as
razões que conduziram os torturadores a fazer o que fizeram para que tenhamos
uma ideia do que não se pode repetir”, avaliou.
Segundo
Ramonet, entre 1977 e 2011, mais de 30 comissões de verdade foram criadas em
vários países, principalmente nos últimos dez anos. No Brasil, a instalação da
Comissão da Verdade ainda não tem data definida para acontecer. A ministra da
Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse que o governo está
preparando o terreno para o início dos trabalhos.
“A
comissão foi aprovada e sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, que está
fazendo a escolha dos nomes que vão compor o grupo. E, ao mesmo tempo, estamos
organizando o sistema de funcionamento, porque vamos ter que oferecer à
comissão lastro de trabalho, arquivos, abertura. Tudo o que estiver relacionado
ao período da ditadura militar precisa estar acessível. Não tenho previsão para
dar [sobre a data da instalação], mas temos a expectativa de que seja breve e
já estamos trabalhando para isso”
Ramonet
aproveitou o debate para fazer uma defesa aguerrida do juiz espanhol Baltasar
Garzón, que está sendo julgado na Espanha esta semana por investigar os crimes
do ditador Francisco Franco, que governou o país por quase 40 anos.
Garzón
ficou famoso por liderar o processo que levou à condenação do ditador chileno
Augusto Pinochet. Por causa das acusações que tem sofrido, lideradas pelo
partido fascista Falange e pelo grupo de extrema direita Mãos Limpas, Garzón
está afastado da Audiência Nacional (equivalente ao Supremo Tribunal Federal)
desde maio de 2010.
Se
condenado, o magistrado pode ficar 20 anos sem exercer suas funções. “Seria uma
vergonha. Garzón é um incorruptível, tem demonstrado ser um juiz competente,
por isso tem sido perseguido. Por que a Justiça espanhola, que tanto fez para
reprimir crimes de lesa-humanidade hoje para cercear Baltasar Garzón, que hoje
simboliza essa luta?”, perguntou o sociólogo.
O
ciclo de debates Direitos Humanos, Memória e Justiça, que já passou pelo Rio de
Janeiro, São Paulo e ontem por Porto Alegre, terá uma edição em Brasília no dia
5 de março.
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