Os
leitores se recordam dos anúncios patrocinados pelo governo federal durante o
mandato de Collor, quando o caçador de marajás iniciava o processo de entrega
dos bens nacionais aos estrangeiros, em nome da modernidade.
Por
Mauro Santayana*
Os
que defendiam o patrimônio público eram desdenhosamente identificados como
dinossauros, ou seja, animais dos tempos jurássicos. Iniciou-se, com o confisco
dos haveres bancários, o processo de desnacionalização da economia, sob o
comando da senhora Zélia Cardoso de Melo e do economista Eduardo Modiano,
nomeado presidente do BNDES com a missão de desmantelar o setor estatal e
entregar suas empresas aos empreendedores privados que se associassem às
multinacionais.
Naquela
época publiquei artigo na Gazeta Mercantil, em que fazia a necessária distinção
entre os dinossauros – uma espécie limpa, sólida, quase toda vegetariana – e os
murídeos: camundongos, ratos e ratazanas.
É
difícil entender como pessoas adultas, detentoras de títulos acadêmicos, alguns
deles respeitáveis, puderam fazer análise tão grosseira do processo histórico.
Mas eles sabiam o que estavam fazendo. Os economistas, sociólogos e políticos
que se alinharam ao movimento neoliberal – excetuados os realmente parvos e
inocentes úteis – fizeram das torções lógicas um meio de enriquecimento rápido.
Aproveitando-se
dos equívocos e da corrupção ideológica dos quadros dirigentes dos países
socialistas – que vinham de muito antes – os líderes euro-norte-americanos
quiseram muito mais do que tinham, e resolveram recuperar a posição de seus
antecessores durante o período de acumulação acelerada do capitalismo do século
19. Era o retorno ao velho liberalismo da exploração desapiedada dos
trabalhadores, que havia provocado a reação dos movimentos operários em quase
toda a Europa em 1848 (e animaram Marx e Engels a publicar seu Manifesto
Comunista) e, logo depois, a epopéia rebelde da Comuna de Paris, com o martírio
de milhares de trabalhadores franceses.
Embora
a capitulação do Estado se tenha iniciado com Reagan e Thatcher, no início dos
oitenta, o sinal para o assalto em arrastão veio com a queda do Muro de Berlim,
em novembro de 1989 – coincidindo com a vitória de Collor nas eleições
brasileiras. Não se contentaram os vitoriosos em assaltar os cofres públicos e
em exercer a prodigalidade em benefício de seus associados do mercado
financeiro. A arrogância e a insolência, nas manifestações de desprezo para com
os pobres, que, a seu juízo, deviam ser excluídos da sociedade econômica,
roçavam a abjeção. Em reunião realizada então na Califórnia, cogitou-se, pura e
simplesmente, de se eliminarem quatro quintos da população mundial, sob o
argumento de que as máquinas poderiam facilmente substituir os proletários,
para que os 20% restantes pudessem usufruir de todos recursos naturais do
planeta.
Os
intelectuais humanistas – e mesmo os não tão humanistas, mas dotados de
pensamento lógico-crítico – alertaram que isso seria impossível e que a moda
neoliberal, com a globalização exacerbada da economia, conduziria ao malogro. E
as coisas se complicaram, logo nos primeiros anos, com a ascensão descontrolada
dos administradores profissionais – os chamados executivos, que, não
pertencendo às famílias dos acionistas tradicionais, nem aos velhos quadros das
empresas, atuavam com o espírito de assaltantes. Ao mesmo tempo, os bancos
passaram a controlar o capital dos grandes conglomerados industriais.
Os
“executivos”, dissociados do espírito e da cultura das empresas produtivas, só
pensavam em enriquecer-se rapidamente, mediante as fraudes. É de estarrecer
ouvir homens como George Soros, Klaus Schwab e outros, outrora defensores
ferozes da liberdade do mercado financeiro e dos instrumentos da pirataria,
como os paraísos fiscais, pregar a reforma do sistema e denunciar a exacerbada
desigualdade social no mundo como uma das causas da crise atual do capitalismo.
Isso
sem falar nos falsos repentiti nacionais que, em suas “análises” econômicas e
políticas, nos grandes meios de comunicação, começam a identificar a
desigualdade excessiva como séria ameaça ao capitalismo, ou seja, aos lucros.
Quando se trata de jornalistas econômicos e políticos, a ignorância costuma ser
companheira do oportunismo. Da mesma maneira que louvavam as privatizações e a
“reengenharia” das empresas que “enxugavam” as folhas de pagamento, colocando
os trabalhadores na rua, e aplaudiam os arrochos fiscais, em detrimento dos
serviços essenciais do Estado, como a saúde, a educação e a segurança, sem
falar na previdência, admitem agora os excessos do capitalismo neoliberal e
financeiro, e aceitam a intervenção do Estado, para salvar o sistema.
Disso
tudo nós sabíamos, e anunciamos o desastre que viria. Mas foi preciso que
dezenas de milhares morressem nas guerras do Oriente Médio, na Eurásia, e na
África, e que certos banqueiros fossem para a cadeia, como Madoff, e que o
desemprego assolasse os países ricos, para que esses senhores vissem o óbvio.
Na Espanha há hoje um milhão e meio de famílias nas quais todos os seus membros
estão
desempregados.
Não
nos enganemos. Eles pretendem apenas ganhar tempo e voltar a impedir que o
Estado volte ao seu papel histórico. Mas o momento é importante para que os
cidadãos se mobilizem, e aproveitem esse recuo estratégico do sistema, a fim de
recuperar para o Estado a direção das sociedades nacionais, e reocupar, com o
povo, os parlamentos e o poder executivo, ali onde os banqueiros continuam
mandando.
*Publicado
no blog do Mauro Santayana
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