Foi um domingo movimentado – manhã
de maré baixa, propícia para uma boa caminhada com Thereza. Um chuvisco
inesperado, de uma nuvem passageira, não atrapalhou nosso passeio.
Carlos Roberto de Miranda Gomes,
escritor-veranista
Um mergulho rápido e retorno à
casa para despojar do corpo o sal do mar. Uma cerveja gelada e o aguardo para o
churrasco que Ernesto prepara como ninguém.
No compasso da espera, subo ao
alpendre do meu quarto e, no “ventre da minha rede” continuo as leituras
cotidianas. Desta feita “O Vendedor de Poesias”, de Iveraldo Guimarães, edição Sebo
Vermelho, do finalzinho de 2012.
Cumpridas as tarefas culinárias a
“madorna” de fim de almoço e o retorno às leituras. Dopo, antes do sol
buscar o seu aconchego, meditei um pouco sobre o que li do livro de Iveraldo e,
tomando por empréstimo o prefácio de Vicente Serejo, me transportei para um
passado bem distante, na velha Redinha dos anos 50, a qual me pertenceu por
umas dez temporadas, onde a luz elétrica cessava pelas 20 horas dando lugar às
lamparinas e candeeiros, geradores de sombras distorcidas da realidade,
permitindo o descortinar mágico das luzes de Natal.
Dominava os seus contornos e as
suas pedras mesmo nas noites sem luar, no percurso Maruim – Redinha Clube, que
era iluminado por lâmpadas “Colleman”até às 22,30 horas, num tempo de pardais no
verde dos quintais, para lá ouvir as estórias do “fogo fátuo” e aparições,
fazendo com que o retorno à casa se fizesse com arrepios adrenalínicos.
Na Redinha, com outros meninos da
minha idade – lembro de Gotardo Emerenciano, pegávamos siris nas gamboas dos
manguezais que ficavam a poucos metros dos fundos das nossas casas.
Compartilhavam daquele recanto,
que eu me lembro, Seu Aldemário e seu Nelson (vizinhos dos dois lados), Seu
Pitota, Dr. Dante de Melo Lima, Professor Ildefonso Emerenciano, Seu Maranhão,
pai de Neilson (foi Juiz e morreu em um desastre de automóvel num dia 20 de
janeiro do ano que não lembro), com quem fazíamos a travessia no barco de
Ferrinho para assistir o futebol em Natal. Recentemente estive no Maruim e só
encontrei duas casas de pé, a que foi nossa e a de Seu Nelson.
Em nossos passeios de bicicleta
até o rio doce (hoje a decadente Redinha nova), onde só existia a natureza, era
possível “brechar” encontros amorosos.
O empinamento de corujas frágeis
era o esporte predileto da meninada, concorrendo com pipas possantes dos
meninos maiores. Os adultos preferiam o voleibol em frente ao Redinha Clube.
Mas não foi só reminiscências da
praia, cuja casa foi vendida por papai por dois motivos relevantes – uma
aventura num barco que me pôs em perigo de vida e a morte do meu cunhado José
Gondim, que também era veranista. Lembrei-me, também, da “rua descalça” (Meira
e Sá) onde morava, das batalhas de carrapateiras nos esconderijos formados pela
erosão das chuvas, deixando à mostra os canos do Saneamento; das sessões das
sextas-feiras no cinema São Luiz, transportado pelos bondes do Alecrim, cuja
linha findava na Rua Amaro Barreto, proximidades de onde hoje existe o relógio
da Praça Gentil Ferreira.
Papai fixava o retorno para as
21,30 horas e, quando o filme era mais longo e o seriado vinha em seguida, a
contragosto era forçado a abortar o capítulo para cumprir o horário e, se ao
chegar à Amaro Barreto não vislumbrava sinal do bonde, colocava sebo nas
canelas e vinha mesmo na “pedagogia”. Papai no portão aguardava-me para fechar
o cadeado e o resto da casa para o sono noturno.
Foi nesse tempo que encontrei a
minha Anajá e conheci algumas Zúlias. Contudo, o tempo foi muito breve, pois
logo me voltei para coisa séria e então compreendi “como dói o amor quando ele
fica maior que o coração”.
As sombras estão chegando com
pouca mansuetude, “misturando-se com a claridade moribunda”, permitindo ver a
silhueta dos pássaros que retornam para os seus ninhos no restinho de Mata
Atlântica que remanesce nas cercanias de Cotovelo.
Não dá mais para enxergar com luz
natural e acender a lâmpada não vale, perde a graça!
Nenhum comentário:
Postar um comentário