Foi
no ano de 1997. Eu já sabia o que queria ser na vida. Faltava muito para chegar
lá, e aos poucos eu ia caminhando a linha da realização dos sonhos. Entre
trezentos outros conselhos, tinha um que minha mãe sempre dizia e meu pai
reforçava: “basta você fazer um curso de datilografia para “estar feita na vida””.
Por Leide Franco (@LeideFranco)
Fui
lá e fiz. Terças e quintas-feiras, das 9h às 11h30. Seis meses de curso intenso.
Nunca vou me esquecer do barulho das teclas; do cuidado para não errar na hora
de digitar e, com o erro, ter que jogar a página fora e começar tudo de novo.
Cada toque valia tempo. Para ser bom, era preciso pelo menos uns 140 toques por
minuto.
No
final, vi, com o diploma na mão, o computador engolir aquelas máquinas de
escrever uma a uma, com uma fome de inovação e promessas de um futuro tudo mais
prático e rápido. E é. As previsões apocalípticas de que não haveria mais
trabalho para o homem, tendo em vista que o computador faria tudo por eles,
ainda não vi concretizada. Felizmente o computador ainda não faz tudo sozinho.
Naquele
tempo, era como se essa super tecnologia tivesse apenas copiado a sequência de
letras do teclado duro da máquina de escrever e jogado o resto fora. Tudo novo.
Podemos teclar sem medo de errar, sem precisar ajustar o papel no cilindro para
que o texto não fique torto; muito menos contar os espaços antes de digitar até
o final da linha, pois o hífen, em nome da boa gramática, tinha que separar
perfeitamente a palavra no final da margem, quando esta não cabia na mesma
linha e era preciso dar o que a gente chama hoje de “enter”. Ah, essa
nostalgia...
Enfim,
a única coisa realmente útil daquele curso de datilógrafa foi a habilidade de
digitar sem olhar para o teclado, diferença que, modestamente, faz eu me sentir
o máximo. Naquele tempo, as máquinas dos melhores cursos, não vinham com letras
“impressas” nas teclas. Tudo era baseado na técnica e habilidade. Cada dedo era
responsável por um grupo de letras. Assim era. Assim é até hoje para um bom digitador.
Depois
do diploma [inútil] de datilógrafa, era a vez de correr em busca do de
operadora de micro computador, já que era aquele pedaço de papel e o domínio
dos programas de computador (Word, Excel e Power Point) que garantiriam o
“estar feita na vida”.
Inscrevi-me
em um desses cursos que prometiam revolucionar a vida de qualquer estudante que
estava à procura de emprego. Seis meses também. Seis meses de um curso tão
básico, digno de fazer vergonha em qualquer criança de dez anos – essas da
geração hoje.
De
duas uma: ou nós estamos caminhando devagar demais ou as coisas evoluem um
tanto depressa. Acho que os dois. E mais: estamos sempre aprendendo pela metade
ou menos. Um software que você aprendeu a usar míseros 10% de toda sua
funcionalidade, ganha amanhã uma nova versão, que você também não vai conseguir
utilizar tudo que ele oferece. De quem é a pressa?
Deveras,
vi que o curso de datilografia e de computação não seriam mesmo suficientes
para eu “estar feita na vida”. Obviamente fiquei com pressa de terminar o
Ensino Médio para poder fazer uma graduação. Fui lá. Cursinho preparatório e
aprovação no vestibular da UFRN. Quatros anos e pouquinho depois, merecidamente,
recebo o canudo. Perfeito, mas não! O que é apenas uma graduação? É só uma
graduação, como tantas outras. E o mercado não perdoa os “despreparados”, assim
pregam os bons empregadores.
É
preciso fazer outra graduação afim ou especialização e/0u mestrado, doutorado e
tudo que for interessante para o currículo de alguém que quer “estar feito na
vida”. A não ser que, antes, você consiga passar em um concurso público, no
qual vai proporcionar estabilidade financeira: esse é o lema principal. O
problema se instala quando você consegue entrar na realização do grande sonho e
lá descobre que, bem... “não era isso que eu queria para minha vida”, e então
tenta outra profissão.
Penso,
às vezes... Bem às vezes, que a ignorância é uma bênção. Muita gente que não
sabe que precisa de tanto e que pode ter mais, muito mais, vive feliz com o que
tem. Essa autocobrança para conquistar além do que temos e ser o melhor sempre
não deve fazer bem à saúde, principalmente quando a maior preocupação nessa
busca é o fator financeiro, é o “estar feito na vida”, pois nem sempre o
conhecimento é a base para tantos esforços. E quando é, será que realmente
conhecemos o que pensamos conhecer?
“E
se dinheiro não existisse?” “O que você gostaria de fazer?” É o que pergunta este
vídeo, que não quer dar
resposta nenhuma, além de fazer refletir sobre o que realmente gostamos de
fazer. Especialista, mestre, doutor é aquele que faz o que gosta, e por gostar,
é o melhor no que faz, e por consequência, recebe dinheiro por isso.
E
eu? Ah, eu... Eu seria escritora se isso pagasse minhas contas, mas como não
paga, eu escrevo mesmo assim, até porque escrever é fácil: começa-se com uma
letra maiúscula; termina com um ponto final e no meio é só por as ideias, já
disse o velho poeta Neruda. É Simples. Mas não.
Eu
escrevo porque é livre e possível. Reúne duas alegrias: falar sozinho e falar a
uma multidão, mesmo que seja pequena.
Enquanto
escrevo, por não ter nenhuma outra forma que garanta minha salvação diária; eu
trabalho, estudo sempre, tento aprender a mexer em softwares que nunca pensei
em precisar usar, pois hoje se eu não soubesse usá-los estaria atrás de muita
gente – e isso, nesses nossos tempos, é quase inadmissível, afinal eu tenho que
saber sempre mais. Até que tem servido.
Os
profissionais que se garantem hoje, não só precisam e devem saber escrever o
português simples, direto; também têm que dominar outros idiomas, escrever em
outros códigos: o HTML (pelo menos) e entender de tudo que rodeia a Tecnologia
da Informação e suas novidades só para não ficar ultrapassado, já que assim estamos
diariamente, é só acordar.
Homo conectus
Não
podemos esquecer-nos de explorar bem o nosso lado ou a parte total, talvez, do “homo
conectus” que nos habita para sempre. Redes sociais pelo PC – ah, desculpe,
esse termo PC está ficando ultrapassado, quase ninguém mais compra essa
tecnologia que era avançadíssima. A vez é dos iMacs ultrafinos e logicamente
dos mobiles. Precisamos estar conectados para garantir que estejamos bem
informados e em contato com os amigos. O que é informação? Quem são os nossos
amigos no Twitter, facebook?
E
enquanto tudo isso vem, vai, fica, se moderniza e ultrapassa, eu vou me
preparando para “estar feita na vida”, se é que um dia eu viverei essa sensação
de preenchimento. Vou até que o Lattes não tenha mais espaço para cursos,
palestras, títulos... Até quando não tiver mais o que fazer para ser capacitada
o bastante e decretar, definitivamente, encerrada a procura desenfreada por
conhecimento, só por achar que ainda não estou feita na vida.
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