Aprendi,
nos velhos compêndios de Direito, que compete ao Poder Judiciário decidir os
conflitos de interesses entre os indivíduos e conciliar, até o limite do
razoável, os conflitos entre os interesses individuais e os gerais, de ordem
pública. A expressão"razoável" é cheia de intenções. Ela não indica
apenas o caráter de ponderação da decisão judicial, mas o nível de
racionalidade e espírito público que devem nortear o julgador. Afinal, os
juizes também foram formados nas mesmas instituições de ensino jurídico que
nós, os operadores de direito, aprenderam como nós, nos mesmos compêndios e
assimilaram os mesmos fundamentos da ordem jurídica.
E é pedra de toque dos
fundamentos principiológicos do Direito, que o interesse geral submete o
interesse individual.
Onde
exista conflito entre os interesses individuais e os interesses gerais da
sociedade, como já disse, o julgador buscará a conciliação até onde puder e, na
hipótese de intransigência, deverá submeter o individual ao geral. Porque,
mesmo que os sistemas políticos liberais privilegiem o individualismo, não se
concebe que um único indivíduo submeta a todos, em confronto com os interesses
da coletividade.
As digressões vem em socorro da "Lei da Ficha Limpa",
cujo curso foi refreado pela mais alta corte de justiça do país – logo ela, uma
medida legislativa que transcende o interesse individual, caracterizando-se
como imperativo ético-social, de interesse nacional.
Nós,
os operadores do direito, muitas vezes nos perdemos em filigranas e leguleios,
espécie de exercício dialético auto-digestivo e prazeroso, sempre que o tema
tratado se mostre de relativa complexidade. É uma postura saudável quando
buscamos a chamada "verdade jurídica" - uma posição em acordo com a
lei, a doutrina, o interesse social e a ordem pública. Ocorre que, às vezes,
porque somos humanos, procuramos primeiro ajustar essa posição aos nossos
valores, e, pior, muitas vezes conduzimos essa busca para uma convergência com
os nossos interesses políticos.
A
lei e a doutrina são veículos de muita fluidez. Não são instrumentos de
ciências exatas, daí que o imperativo em situações dessa natureza deve ser
sempre o interesse maior, de ordem pública.
Deve preocupar também a sociedade,
além da "judicialização" do Poder Legislativo, a tendência quase já
confirmada como hábito, do quarto poder - a imprensa – de converter-se em poder
judicante, desta feita constituindo-se em tribunal de exceção, que aprecia,
julga e condena inapelavelmente "supostos" incriminados, sem direito
de defesa. Já se disse até que certa imprensa partidarizada age como verdadeiro
grupo de linchamento, de tal modo orientam e alimentam a opinião pública contra
aquele que, segundo a nossa ordem jurídica tem presunção de inocência e só
poderá ser considerado culpado depois do devido processo legal.
Será
que devemos instituir um Quinto Poder - o popular, as instâncias da sociedade
civil para coibir certas "exceções" dos dois outros poderes, o
judiciário e a imprensa?
O receio é que nos tornemos também poderes de exceção
como ocorreu na Revolução Francesa. A quem recorrer como instância suprema,
afora Deus? Quem vai fiscalizar os fiscais?
*Pedro
Simões é professor aposentado da UFRN, onde foi pró-reitor, ex-secretário de
Estado de Segurança Pública, membro da Academia Ceará-minirense de Letras e Artes,
escritor, autor de vários livros.
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