Depois
da revista Time eleger o “manifestante”, em termos genéricos, como Personagem
do Ano, Daniel Ellsberg disse que Manning deveria ser a cara visível desse
manifestante.
Por
Amy Goodman*, no Portal Vermelho
O
soldado Bradley Manning, acusado de fornecer informações secretas do governo
dos Estados Unidos, completou 24 anos no sábado. Passou o dia do seu
aniversário em uma audiência anterior ao julgamento de um tribunal militar que
pode condená-lo à prisão perpétua ou até mesmo à pena de morte. As Forças
Armadas acusam Manning de realizar a maior divulgação de dados sigilosos da
história do país.
Voltaremos
a Manning mais adiante. Antes, vamos recordar o vazamento do qual o acusam. Em
abril de 2010, o site de denúncias WikiLeaks, que publica conteúdo fornecido
por informantes, postou um vídeo chamado “Assassinato Colateral”. Trata-se de
um arquivo secreto das Forças Armadas dos Estados Unidos de julho de 2007,
gravado de um helicóptero Apache que sobrevoava Bagdade. O vídeo mostra um
grupo de homens caminhando para, em seguida, serem assassinados, um após o
outro, por uma chuva de disparos de metralhadora que vem da aeronave. A
comunicação entre os soldados no rádio narram o massacre. De uma linguagem fria
e metódica, a narrativa passa para um cruel e entusiasmado discurso. Duas das
pessoas que morreram eram funcionários da agência de notícias Reuters: o
repórter-fotográfico Namir Noor-Eldeen e Saeed Chmagh, seu motorista.
O
famoso informante Daniel Ellsberg, responsável por divulgar os chamados
“Documentos do Pentágono”, que ajudaram a por fim a guerra do Vietname, é um
veterano da armada que treinou soldados nas leis da guerra. Ellsberg
explicou-me: “Nas imagens divulgadas, dá pra ver que os soldados atiram em
civis desarmados que claramente estão feridos (...). Não tenho dúvidas de que
esse incidente constitui um homicídio. É um crime de guerra. Nem todas as
mortes que acontecem em uma guerra constituem um homicídio, mas em muitos
casos, sim. E esse é um deles”.
Meses
depois, WikiLeaks publicou os Diários da Guerra do Afeganistão, que continham
dezenas de milhares de informações militares relatadas da frente de batalha. Em
seguida, o site publicou os Diários da Guerra do Iraque, que continha cerca de
400 mil registros militares da guerra dos Estados Unidos no Iraque. Logo
depois, veio o Cablegate, a publicação – com o respaldo de importantes veículos
de comunicação, como o The News York Times e o The Guardian – de uma sucessão
de telegramas secretos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que inclui
mais de 250 mil documentos que vão de 1966 a 2010. O conteúdo dos telegramas
foi altamente comprometedor para o governo Yankee e causou comoção em vários
cantos do mundo.
Alguns
documentos diplomáticos publicados, que detalhavam o apoio dos Estados Unidos
ao regime corrupto tunisiano, contribuíram para o levante no país árabe. Depois
da revista Time eleger o “manifestante”, em termos genéricos, como Personagem
do Ano, Ellsberg disse que Manning deveria ser a cara visível desse
manifestante. Foi o suposto vazamento do jovem soldado que “contribuiu com o
levante na Tunísia e a ocupação na Praça de Túnez, que foi rebatizada com o
nome de outro rosto que poderia ser a personificação do manifestante: o de
Mohamed Bouazizi. Após as revelações do WikiLeaks sobre a corrupção em seu
país, Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo em sinal de protesto. O suicídio
desencadeou os protestos pacíficos que derrubaram o então presidente Ben Ali.
Tal facto, por sua vez, impulsionou o levante no Egipto, que imediatamente
inspirou o movimento Occupy Wall Street e todas as demais manifestações no
Médio-Oriente e no resto do mundo”.
Outro
documento recentemente publicado como parte do Cablegate expõe os detalhes de
um suposto massacre realizado em 2006 por soldados estadunidenses na localidade
iraquiana de Ishaqi, ao norte de Bagdade. Onze pessoas foram assassinadas. O
documento detalha relatos de testemunhas que afirmam que as pessoas, entre elas
cinco crianças e quatro mulheres, foram presas e logo executadas com disparos
na cabeça. Em seguida, as forças armadas bombardearam a casa onde moravam,
supostamente para esconder o incidente. Esse tipo de ataque fez com que o
governo iraquiano optasse por deixar de outorgar imunidade aos soldados dos
Estados Unidos no seu país. O presidente Barack Obama respondeu ao facto
mediante o anúncio de que retiraria os soldados de lá. Se Manning, um Ellsberg
dos nossos tempos, é realmente culpado da acusação do Pentágono, ele contribuiu
então para acabar com a guerra do Iraque.
Voltemos
a centrar nossa atenção na sala de audiências de Fort Meade, Maryland. Os
advogados de defesa descreveram o panorama de uma base de operações caótica,
com muito pouca ou nenhuma supervisão e sem nenhum tipo de controle sobre o
acesso dos soldados a informação confidencial. Apresentaram também Manning como
um jovem de uniforme em conflito com sua identidade sexual na época da política
“não perguntar, não dizer”. O jovem teve diversos ataques de fúria, destruiu
móveis e em uma ocasião chegou a dar um soco na cara de um superior, sem
receber nenhum tipo de castigo por isso. Seus companheiros da base afirmaram
que não deveria ter sido enviado a uma zona de guerra. No entanto, ficou numa
até que foi preso há 18 meses.
Depois
da sua prisão, Manning permaneceu completamente isolado durante a maior parte
da sua detenção em Quantico, Virginia, em condições tão duras que o relator
especial das Nações Unidas sobre a tortura está investigando sua situação.
Muitos crêem que o governo dos Estados Unidos está tentando destruir o jovem
para utilizá-lo no caso de espionagem contra o fundador do WikiLeaks, Julian
Assange. É ainda uma forma de enviar uma mensagem intimidante para qualquer
potencial informante: “Vamos acabar com você”.
No
momento, sabe-se que Manning está ameaçado e que pode enfrentar a pena de morte
por “ajudar o inimigo”. O tribunal citou palavras textuais que o ex-soldado
supostamente teria escrito para Assange como prova de sua culpa. No correio
eletrónico, Manning descreve a divulgação como “um dos documentos mais
importantes do nosso tempo, que dissipou as dúvidas sobre o conflito bélico e
revelou a verdadeira natureza da guerra desigual do século 21”. A história sem
dúvidas vai utilizar as mesmas palavras como prova irrefutável da valentia de
Bradley Manning.
*Amy
Goodman é co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e
escritora.Artigo publicado em "Democracy Now" em 23 de dezembro de
2011.
Nota:
Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Texto em espanhol
traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisto por Bruno
Lima Rocha para a Estratégia & Análise. Revisto para português de Portugal
por Luís Branco.
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