Entrevista
a Andrew Whitehead, BBC World Service News, Londres
Ver
também “Indomáveis”, Terry Eagleton, London Review of Books
Eric
Hobsbawm assistiu às revoltas de 2011 com entusiasmo – e diz que, hoje, quem
move as ondas populares é a classe média, não os trabalhadores. “Foi imensa
alegria ver, mais uma vez, que o povo pode ir às ruas, manifestar-se e derrubar
governos” – diz EJ Hobsbawm, no apagar das luzes de um ano de levantes
populares no mundo árabe.
Hobsbawm viveu toda sua longa vida à sombra – ou à
luz – de revoluções. Nascido alguns meses antes da Revolução Russa de 1917, foi
comunista durante praticamente toda sua vida adulta – além de pensador e
escritor inovador e influente. Foi historiador de revoluções e várias vezes
militou a favor de mudanças revolucionárias.
Já
chegado aos 95 anos, a paixão política sempre viva reflete-se no título de seu
livro mais recente Como mudar o mundo[1][São Paulo: Companhia das
Letras, 2011] – e no ativo interesse pelos levantes populares no mundo
árabe.
“Não há dúvidas de que me sinto entusiasmado e aliviado” – diz ele, em
conversa em sua casa no norte de Londres, bem próxima de Hampstead Heath, casa
de paredes cheias de livros de História em várias línguas, e sobre jazz.
“Se
alguma revolução ainda é possível, terá de ser mais ou menos como o que estamos
vendo. Pelo menos nos primeiros tempos. Gente saindo às ruas para manifestar-se
a favor das coisas certas.” Mas logo acrescenta: “Sabemos que não vai durar.”
O
historiador que há nele logo vê um paralelo entre a ‘Primavera Árabe’ de 2011 e
o “ano das revoluções” na Europa há quase dois séculos, quando um levante na
França foi logo seguido por outros nos estados italianos e germânicos, no
Império dos Habsburgos e em outros pontos.
Democracias árabes?
“Fez-me
lembrar 1848” – diz ele –, “outra revolução surgida num país que depois, em
pouco tempo, se espalhou por todo o continente.”
Para os que encheram a Praça
Tahrir e hoje se preocupam com o futuro de sua revolução, Hobsbawm tem uma
palavra de conforto.
“Dois anos depois de 1848, tudo parecia mostrar que a
revolução fracassara. No longo prazo, viu-se que não fracassou. Houve muitos
avanços progressistas. Aquela revolução fracassou, se analisada no calor da hora;
mas, foi vitoriosa, pelo menos parcialmente, vista de mais longe. Embora,
depois, já não sob forma de revolução.”
Seja como for, exceto talvez no caso
da Tunísia, Hobsbawm vê pouca probabilidade de haver democracias liberais
representativas, de estilo europeu, no mundo árabe. Tem-se dado pouca atenção,
diz ele, às diferenças entre os países árabes nos quais tem havido
manifestações de massa:
“Estamos
no meio de uma revolução – mas não é a mesma revoluções em todos os
lugares”.
“Todas são parecidas, porque há em todas um mesmo descontentamento,
e as forças mobilizáveis são semelhantes – uma classe média em modernização,
sobretudo os estudantes jovens dessa classe média e, evidentemente, a
tecnologia que torna hoje muito mais fácil mobilizar os que se queiram
manifestar.”
Para Hobsbawm, as mídias sociais começaram a ter alguma
significação para os movimentos globais, na campanha de eleição do presidente
Obama nos EUA, que conseguiu mobilizar amplas fatias da população, até então
politicamente inativas, através da Internet.
Para ele, “as atuais ocupações,
na maioria dos casos, não são protestos de massa, os 99% não estão nas ruas,
mas lá está o sempre mobilizável famoso “exército de palco”[2] de estudantes e
militantes da contracultura. Algumas vezes, encontram eco na opinião pública,
como se vê claramente nas ocupações anti-Wall Street e anticapitalistas.”
Mas,
em todo o mundo, a esquerda da qual Hobsbawm fez parte – como militante,
cronista e, pelo menos como intenção, modernizador – está hoje à margem dos
protestos de massa e das ocupações.
“A esquerda tradicional foi gerada num
tipo de sociedade que já não existe, ou está saindo de cena. Aquela esquerda
acreditava no movimento trabalhista de massa como agente que criaria o futuro.
Hoje, o trabalho mudou – e fomos desindustrializados – e aquele projeto daquela
esquerda deixou de ser viável.”
“Hoje, as mobilizações de massa mais efetivas
brotam sobretudo de uma classe média modernizada de um corpo de estudantes
imensamente inchado. São mais efetivas nos países nos quais, demograficamente, a
população jovem, homens e mulheres, são fatia maior da população, do que o que
se vê na Europa.”
Eric Hobsbawm não espera que as revoluções árabes tenham
alcance maior no resto do mundo, não, pelo menos, como semente de revolução
mais ampla. O mais provável, diz ele, é que os reformadores árabes sejam postos
de lado por grupos islamistas, como já aconteceu no Irã.
Segundo
ele, deve-se esperar, isso sim, um movimento gradual de reformas, como já se
viu nos anos 1980s, quando, por exemplo, na Coreia do Sul, os movimentos jovens
e de classe média, obtiveram algumas conquistas contra o poder dos militares
[mas, no resto do mundo, a única reforma que se viu foram os muitos movimentos
jovens e de classe média, serem cooptados pelo neoliberalismo mais selvagem, como
se viu na Argentina e no Brasil, por exemplo (NTs)].
Uma revolução em idioma
político do Islã: o Irã, 1979
Quanto aos dramas políticos que ainda se
desenrolam nos países de língua árabe, Hobsbawm chama a atenção para o caso do
Irã, em 1979, onde, embora se fale língua persa, aconteceu a primeira revolução
concebida no idioma político do Islã. Para ele, um aspecto daquela revolução,
pelo menos, encontrou eco nas revoluções do mundo muçulmano nos últimos meses:
“As pessoas que fizeram concessões ao Islã, mas não eram, elas próprias
religiosas islâmicas, foram marginalizadas – por exemplo, os reformistas
liberais e os reformistas comunistas. O que está emergindo como ideologia das
massas árabes, não é a ideologia dos que iniciaram as manifestações.”
Embora
os levantes árabes o tenham enchido de alegria (até de “alívio”), Hobsbawm vê
esse aspecto como “desenvolvimento não previsto e não necessariamente
bem-vindo”.
(A entrevista estará no ar hoje, em inglês, em http://www.bbc.co.uk/programmes/p002vsn9/episodes/player)
[1] O livro foi
resenhado por Terry Eagleton na London Review of Books (23/2/2011,
“Indomáveis”, Terry Eagleton, London Review of Books, http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/02/indomaveis.html) [NTs].
[2] Orig. stage army.
A expressão aparece na didascália da peças de Shakespeare, para designar grupos
de coadjuvantes que cruzam o palco, desaparecem nas coxias e adiante,
reaparecem, como a narrativa exija, e tornam a desaparecer nas coxias [NTs].
Tradução: Coletivo de Tradutores Vila Vudu
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