CINEMA
– Por Carlos Emerenciano*
“Para
ajudar alguém, é preciso conhecê-lo”. É dessa forma que São José se dirige ao
anjo sem asas Clarence, pedindo-lhe que acompanhe fatos marcantes da vida de
George Bailey. Assim, pelos olhos de um anjo, ainda que de 2ª classe, passamos
a conhecer um ser extraordinário, por quem tantos pedem. O que se vê na tela,
portanto, é o que Clarence (Henry Travers) assiste sobre George, um homem que
está prestes a se suicidar, em pleno dia de Natal. Motivo: a possibilidade de
ser preso diante da constatação de um rombo na instituição financeira que
dirige.
Essa
é a atmosfera de “A felicidade não se compra” (1946) – título original It´s a
wonderful life - obra-prima do diretor ítalo-americano Frank Capra. Fusão entre
realidade e fantasia. Belo retrato da sociedade americana e seus conflitos,
particularmente no que concerne à contraposição de valores (individualismo versus
solidariedade). Autêntico conto de Natal que deve ser assistido em família.
Na
verdade, Capra expõe magistralmente, nessa e noutras obras (“Aconteceu naquela
noite”, “Do mundo nada se leva” - ambos premiados com o Oscar de melhor filme -
“Horizonte perdido”, “O galante Mr. Deeds”, “Adorável vagabundo”, “A mulher faz
o homem”, entre outras) uma visão de mundo otimista, quase utópica.
O
diretor, filho de um camponês siciliano, acreditava na força da solidariedade
como impulsionadora das transformações sociais. Tornou-se, assim, um entusiasta
das ações de governo (New Deal) do Presidente Franklin Delano Rosevelt e um dos
seus principais propagandistas. Era também um defensor do estilo de vida
americano e dos EUA como terra das oportunidades. O seu exemplo - italiano de
origem humilde que venceu em terras americanas – reforçava suas convicções.
Voltando
ao filme, Clarence enxerga, num primeiro momento, um George Bailey ainda criança,
no ano de 1918. José argumenta que o anjo precisará tomar conhecimento de
alguns fatos que poderão ser utilizados no esforço de demover aquele homem
desesperançado da terrível ideia de suicidar-se. Vê-se, então, um idealista
desde a mais tenra idade, além de líder capaz de se sacrificar por seus
liderados.
A
história avança e mostra um George adulto (James Stewart), equilibrando-se
entre sonho e realidade. Os planos de estudar engenharia e ampliar o seu mundo
além dos limites da provinciana cidade de Bedford Falls são postergados em
virtude da situação da empresa do seu pai – uma instituição que financia casas
populares. Generoso, o pai de George vivia às turras com Henry Potter (Lionel
Barrymore), membro do conselho da instituição e maior empresário da cidade. O
velho financista (Potter) contrapunha-se radicalmente aos empréstimos para quem
denominava “ralé preguiçosa”. Apenas George reunia condições de lutar contra
aquele homem poderoso e desumano, que vislumbrava apenas o dinheiro.
Em
meio a esses conflitos, o jovem Bailey encontra o amor de sua vida, Mary (Donna
Red), casa-se e constrói uma numerosa família com 4 filhos. Como se percebe, os
sonhos daquele jovem de ganhar o mundo foram suplantados pela realidade. Mesmo
brilhante e prestando um relevante trabalho do ponto de vista social, George não
conseguia economizar e proporcionar a sua família uma vida mais confortável.
Começa,
então, a aflorar o lado sombrio do personagem interpretado por James Stewart,
um homem que não consegue mais enxergar beleza em seu cotidiano. O que
vislumbra são apenas frustrações e problemas. Tudo isso se avoluma até o
momento em que ocorre um fato que pode levá-lo à cadeia. Justamente no dia do
ano em que se celebra o nascimento do Cristo.
Não
pensem, no entanto, que “A felicidade não se compra” se restringe a aspectos
dramáticos da vida. Toda a história é entremeada por momentos de graça capazes
de nos fazer sorrir, conferindo ao filme rara leveza. Por vezes, o riso vem
misturado ao inevitável choro. Não é exagero afirmar que se trata de uma aula
de cinema, cultuada por diretores como Steven Spielberg e Francis Ford Copolla
que têm essa obra-prima entre suas preferidas.
Além
disso, Frank Capra demonstra, nesse filme de grandes interpretações (James
Stewart, Lionel Barrimore, Thomas Mitchell, Donna Red estão impecáveis), como
dirigir, com extrema competência, um elenco numeroso. Diante de todas essas
virtudes, resta fazer uma provocação: o que está esperando, caro leitor? “A
felicidade não se compra” deve ser visto, revisto e guardado na memória.
*Carlos Emerenciano - Apreciador de um bom
filme, dividirá com os leitores suas impressões sobre cinema todas as
sextas-feiras.
Twitter: @cemerenciano
e-mail: aemerenciano@gmail.com
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