CINEMA
Por Carlos Emerenciano*
“Decifra-me ou devoro-te”. Foi dessa forma que a
Esfinge de Tebas desafiou Édipo, no sentido de que este viesse a decifrar o seu
enigma. Antes dele, vários outros haviam falhado diante do ser mitológico, que,
sem pena, estrangulou-os. Édipo tornou-se, então, o primeiro homem a
destrinchar o terrível quebra-cabeça da Esfinge, vindo a ser aclamado, em
virtude do notável êxito, Rei de Tebas.
Pelo menos foi assim que Sófocles contou na peça “Édipo
Rei” e a história perpetuou-se até chegar aos nossos dias. Tenho minhas dúvidas,
no entanto, se o triste Édipo, condenado a um fim trágico desde o seu
nascimento, tenha, verdadeiramente, decifrado o referido enigma. A julgar que
este demônio seja representativo da figura feminina - vez que se tratava de uma
mulher com corpo de leão alado e calda de serpente - acho muito difícil. Se
discordar de mim, caro leitor, responda-me, de pronto, se você já conseguiu
descobrir o que se passa na cabeça de uma mulher. Ou se cale, sob o risco de
ser devorado.
O que se passou, desde então, a meu ver? Cansados de
tentar em vão decifrar a alma feminina, nós homens passamos a cultuá-la através
da Arte. E talvez seja o cinema, entre as vários gêneros artísticos, o que mais
bem representa essa devoção. Belas imagens e cenas compõem esse cenário em que
a mulher se apresenta em suas múltiplas faces.
Enxergo essa nuance na premiação do Oscar 2012, que
ocorrerá no final de fevereiro. Entre as personagens retratadas destacam-se
Margareth Tatcher, interpretada pela brilhante Meryl Streep em “A Dama de Ferro”
(The iron lady, 2011), e Marilyn Monroe, por Michelle Willians, em “Sete dias
com Marilyn” (My week with Marilyn, 2011). A primeira, apesar de integrante de
um partido conservador, representou, paradoxalmente, um marco na luta por mais
espaços em um mundo antes exclusivamente masculino (bandeira de mulheres
liberais e libertinas). Depois da conhecida Dama, dura e, por vezes, inflexível,
outras vieram ocupar este espaço. Uma delas é a nossa Presidenta Dilma.
Já Marilyn Monroe representa o lado frágil desse
universo. É a mulher sensual que todos desejam e que, ao mesmo tempo,
ressente-se desse assédio sufocante. O filme em destaque aborda a tensa relação
entre Marilyn e Laurence Olivier (Keneth Branagh), durante as filmagens de “O
príncipe encantado” (The Prince and the showgirl, 1957). Cansada dos conflitos
ocorridos no “set”, Marilyn dá um tempo e parte para a diversão. Ressalte-se
que, mesmo com todos os percalços, Olivier, gabaritado ator shakespereano,
rendeu-se ao talento daquela que é vista por muitos como o estereótipo da “loira
burra”. Confundem, erroneamente, atriz e personagem.
Além dos filmes que acabei de me referir, destaco também
“Histórias Cruzadas” (The Help, 2011). Certamente, o mais comovente entre eles.
Skeeter (Emma Stone), uma jovem branca idealista, resolveu, em pleno Mississipi
dos anos 60 (um dos estados onde o odioso Ku Klux Klan tinha plena aceitação),
pesquisar a história das negras que auxiliavam na criação de meninas brancas e,
com amor e dedicação (preconceitos a parte), faziam-se imprescindíveis na formação
do caráter dessas jovens. Aibileen (Viola Davis), governanta negra, resolve
ajudar na pesquisa de Skeeter. Os conflitos, a tensão, mas também a doação,
abnegação e amor afloram nessa busca.
Percebe-se que as mulheres ocupam, cada vez mais, o
seu lugar na sociedade, sem descuidar, porém, do papel de mãe e alicerce
emocional de um lar (o que seríamos de nós sem elas). Mulheres como Margareth
Tatcher, Marilyn Monroe e, principalmente, tantas anônimas que, na luta do dia
a dia, superando preconceitos e obstáculos, construíram uma sociedade menos
desigual no que se refere a gênero. Antes de decifrá-las, prefiro render essa
justa e singela homenagem.
*Carlos
Emerenciano - Apreciador de um bom filme, dividirá com os leitores suas
impressões sobre cinema todas as sextas-feiras.
Twitter:
@cemerenciano
e-mail:
aemerenciano@gmail.com
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