Por
Samy Alim, New York Times*
Occupy[1]. Hoje, já é praticamente
impossível ouvir essa palavra, sem pensar nos militantes instalados nas praças
e ruas do mundo.
Até
o célebre lexicógrafo Ben Zimmer estima que Occupy tem grandes chances de ser
escolhida “a palavra do ano” pela American Dialect Society. O vocábulo já
conseguiu modificar os termos do debate, tirando de cena “teto de
endividamento” e “crise orçamentária”, substituídos por “desigualdade” e
“ganância”.
A ironia da palavra “ocupar”, para designar uma corrente social
progressista que visa a redefinir o debate em torno das noções de equidade e
democracia, certamente está bem visível. Afinal, na linguagem corrente, só
países, exércitos, polícias, “ocupam” territórios, praticamente sempre pela
força. Sobre isso, aliás, os EUA nada têm a aprender.
E
em apenas poucos meses, o movimento Occupy mudou completamente o significado da
palavra “ocupação”. Até setembro, “ocupar” significava operação militar. Hoje,
“ocupar” é sinônimo de luta política progressista [e quem, no ocidente, queira
falar do que Israel faz na Palestina, ficam com a tarefa revolucionária de
buscar, ou de inventar, palavras mais adequadas para o que Israel faz na
Palestina: invasão pela força, com violência, ilegal, contra a razão
democrática e civilizada do mundo (NTs)].
Hoje,
“Ocupar” é denunciar injustiças, desigualdades, abusos de poder. E em nenhum
caso se trata de apenas impor-se num espaço: hoje, ocupar significa também
transformar os espaços. Nesse sentido, o movimento Occupy Wall Street ocupa
literalmente a língua, e é hoje autor [não proprietário (NTs)] da palavra
OCUPAR!
A
primeira vez que a palavra “ocupar” apareceu em inglês, associada a
manifestações sociais, remonta aos anos 1920s, quando operários italianos
decidiram ocupar as fábricas em que trabalhavam, até que suas reivindicações
fossem satisfeitas. Já foi uso muito distante da origem da palavra. O
Dicionário Oxford English ensina que, na origem, “occupy” significou “ter uma
relação sexual”. Hoje, a mesma palavra, já ressignificada, serve para preencher
[ocupar?] muitos vazios gramaticais do discurso.
E se mudássemos mais uma vez
o significado da palavra “ocupar”? Mais exatamente, e se pensássemos no
“discurso do movimento Occupy” não mais como discurso dos militantes de Occupy,
mas como movimento total, ele todo, de Ocupar a Linguagem? E o que desejariam
esses “ocupantes da linguagem”?
“Occupy
a Linguagem” [ing. Occupy Language] bem poderia inspirar-se, ao mesmo tempo, no
movimento Occupy – que nos faz lembrar que as palavras sempre significam e que
a língua não é estática, fechada – e dos movimentos locais que contestam os
usos locais da linguagem e fazem lembrar que a língua pode ser tanto ferramenta
de libertação quanto ferramenta de opressão; tão potente para unir, quanto para
segregar.
O movimento portanto poderia começar por refletir sobre ele mesmo.
Em recente entrevista, Julian Padilla, do People of Colour Working Group [Grupo
de Trabalho das Pessoas de Cores], convocava os militantes a examinar as
próprias escolhas lexicais: “Ocupar significa tomar posse de um espaço, e acho
que ver um grupo de militantes anticapitalismo tomar posse do espaço na Rua do
Muro [ing. Wall Street] é um símbolo muito potente. Mas gostaria que eles se
dessem conta da história dos povos nativos, dos peles vermelhas e dos peles
negras e dos pele amarela do imperialismo em todo o mundo. E que passassem a
chamar o próprio movimento de “Descolonizar a Rua do Muro” [orig. fr.
“Décoloniser Wall Street”].
Ocupar
um espaço não é necessariamente ação negativa. Tudo depende de o que se faz,
como e por quê. Quando os colonizadores brancos ocupam um país, eles não vêm
para ficar, vêm de passagem, vêm para pilhar e destruir. Quando descendentes de
tribos nativas dos EUA ocupam Alcatraz (entre 1969 e 1971), é ato de contestação.”
O
movimento “Occupy Language” também poderia fazer campanha para impedir que os
veículos de mídia continuem a usar o adjetivo “ilegal” aplicado a imigrados sem
documentos. Os que defendem essa causa explicam que o adjetivo illegal em
inglês [em português do Brasil, em termos jurídicos precisos, TAMBÉM (NTs)], só
se aplica a ações e objetos inanimados. Usar o termo “os ilegais” [ing.
illegals; fr. les illégaux) aplicado a pessoas, opera portanto, em primeiro
lugar, a des-humanização das pessoas às quais se aplica.
Mas o New York Times
só recomenda aos seus jornalistas que evitem as expressões “estrangeiro ilegal”
[ing. illegal alien; fr. étranger illégal] ou “estrangeiro sem documentos”
[ing. undocumented alien; fr. sans-papiers]. O New York Times nada diz sobre não
usar a palavra “os ilegais” [ing. illegals].
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[1] A palavra Occupy [nas
redes sociais, sempre #Occupy] é, sim, um belo achado, uma bela invenção
internacionalista, dos muitos que se dizem, nós-vós-vóz-de-nós-mesmos:
“ocupai/ocupar/ocupemos!”
Em português, há aí também um traço performativo de
palavra-de-ordem: “Ocupai!” – modo imperativo, 2ª pess. do plural, do verbo
ocupar, como “falai!”, “cantai!”, “sentai!”, “andai!”, “marchai!”,
“manifestai!”, “ocupai e não arrasteis o pé daí, nós-vós-vóz-de-nós-mesmos, os
99%”. Em inglês, há aí, o traço declarativo (tb performativo, portanto) do
infinitivo (“ocupar”) que ecoa, também para os bilíngues, com inglês, em
todo o mundo [NTs].
*Tradução: Coletivo de tradutores Vila Vudu
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