“...um
país que respeita e preserva os seus valores deixa de ser apenas uma nação,
passando a ser “a nação”, àquela em que se tem orgulho de pertencer.”
(Fernanda Schimitt - Baclarela em Direito pela UFSM)
A propósito de recente noticiário jornalístico, de que o Estado ingressará com ação contra o tombamento do Estádio Juvenal Lamartine, feito pelo Município de Natal, resolvi tentar esclarecer o assunto, em seus aspectos legais e éticos.
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Estádio Juvenal Lamartine |
O
assunto está regulado no Direito pátrio através da Constituição Federal (art.
216 e incisos), Decreto nº 25, de 30/11/1937 e Lei nº 3.924, de 20/07/61.
A
nossa Carta Política de 1988, dispõe sobre o assunto nos termos seguintes:
Art.
216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem;
I- as
formas de expressão;
II-
os modos de criar, fazer e viver;
III-
as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV- as
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V- os
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
No
campo infra-constitucional, o vetusto Decreto 25, de 1937, já dispunha da mesma
forma consagrada na Lei Maior, apenas traçando a formalística. Ainda ele aponta
o conceito do instituto ao dispor:
“Constitui
o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis
existentes no País e cuja conservação seja do interesse público, quer por sua
vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu
excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico."
Desta
forma, consoante o primeiro parágrafo da disposição constitucional antes
transcrita, a competência da iniciativa se impõe ao Poder Público, com a
colaboração da comunidade, que promoverá e protegerá o patrimônio cultural
brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e
desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
Ao
dispor dessa maneira, quer nos parecer que a expressão “Poder Público” é genérica
e, se o titular do domínio se omite em tomar a iniciativa, outro órgão
representativo da vontade do povo poderá agir no sentido da preservação do
patrimônio público, seja histórico, cultural ou estético.
Qualquer
Ente Público, por conseguinte, de forma extraordinária pode intervir na
propriedade de bens (coisas ou locais), regulando a sua utilização ou não,
sejam eles particulares ou públicos, levando em consideração a supremacia do
interesse público, na preservação desses bens ou locais, considerados inestimáveis
para a história ou a cultura nacional, regional ou local. A literatura doutrinária
registra que pela existência de interesse local a competência pode ser atribuída
ao município.
Mesmo
assim compreendendo, não descarto que o procedimento administrativo deveria ter
sido precedido por audiências públicas, audiência do Conselho de Cultura (se é
que não o foi), inclusive com o chamamento do titular do domínio do Estádio
Juvenal Lamartine.
Se
tais cautelas aconteceram, acho difícil se conseguir a anulação do tombamento,
pois a Constituição da República proclama, no inciso III do seu art. 23, que ‘é
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e
cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.
Caso contrário, o Estado terá direito de ação para justificar que o bem
tombado do seu patrimônio não se enquadra nas prescrições legais.
Na
condição de procedimento administrativo, que se desenvolve em uma sequência de
atos preparatórios e onde é permitida a competência concorrente, há de ser
tomar todas as cautelas para evitar a invalidade do ato de tombamento.
Vamos
acompanhar a batalha e verificar o que deve triunfar – a simples questão da
defesa de um patrimônio ou a atitude ética de preservação da memória.
*Carlos
Roberto de Miranda Gomes é escritor e advogado
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