Os debates da 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC) tiveram foco ontem (25) nos saberes
tradicionais e na pesquisa científica. Comunidade acadêmica e povos
tradicionais discutiram mecanismos para aproximar os tipos de conhecimento
produzidos por ambos como forma de enfrentar a pobreza.
Agência Brasil
Para a secretária nacional da SBPC e bióloga do Instituto
Butantan, Rute Andrade, o distanciamento entre a academia e o saber tradicional
foi provocado pela Convenção da Biodiversidade, construída na Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio92). “Depois desse
documento, passamos a ter uma exigência legal para o acesso ao conhecimento
tradicional, que muitas vezes provocou conflitos. A ideia é que haja um
reconhecimento entre os dois saberes para que a gente tenha uma sociedade mais
justa e que se consiga a sustentabilidade que tanto se deseja”, disse.
A advogada do Instituto Indígena para Propriedade
Intelectual (Inbrapi), Lúcia Fernanda Jófej, índia da etnia Kaingáng, destacou
que os povos tradicionais não têm retorno do conhecimento repassado às
universidades. “Existe uma troca que pode ser feita, os povos indígenas e as
comunidades tradicionais têm respondido até hoje. Nós temos servido de insumo
para a academia, com conhecimentos que têm servido de base de produtos e
processos para obtenção de patentes. No entanto, nós não temos recebido isso de
volta. Não tem tido a repartição de benefícios”, contestou a índia kaingang.
Segundo o antropólogo da Universidade do Estado do
Amazonas (UEA), Alfredo Wagner Bento, o questionamento sobre a incorporação dos
conhecimentos tradicionais mudou o foco. Antes promovido pelos movimentos
sociais, o tema agora é proposto pela comunidade científica. “Estamos
assistindo a uma mobilização significativa em torno da proteção da criatividade
social, que se manifesta com o reconhecimento dos saberes tradicionais. Esse
conhecimento passou a ter um valor econômico que 20 anos atrás não tinha”,
observou.
O antropólogo ressaltou ainda que o questionamento
proposto pelo meio acadêmico atualmente é a incorporação dos saberes
tradicionais ao processo produtivo das grandes industrias farmacêuticas, dos
grandes laboratórios, da indústria de biotecnologia e de cosméticos. “Como se
dar essa aproximação de saberes de maneira adequada e justa? Ainda não temos a
resposta, mas temos que começar a abrir um campo de discussão.”
Um exemplo de iniciativa bem sucedida, sugerido por
Alfredo Bento, é o caso do município de São João do Triunfo, no Paraná. Por
meio de lei municipal, a cidade reconheceu, em abril deste ano, benzedeiras,
rezadeiras, curandeiras e costureiras de rendiduras (como são conhecidas as
benzedeiras especializadas na assistência de pessoas com dores musculares) como
agentes de saúde pública. De acordo com a organização não governamental (ONG)
Movimento Aprendizes da Sabedoria (Masa), já foram cadastradas 161 benzedeiras
na cidade, que tem 14 mil habitantes.
A reunião da SBPC continua até a próxima sexta-feira (27).
Entre os principais pontos da programação de amanhã (26), está a conferência,
do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Pinguelli Rosa
sobre energia sustentável.
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