De 1978 a 1980, Décio Pignatari
manteve, no Jornal da Tarde, uma coluna semanal de crítica de TV. Melhor
para a TV. Naquela época, professores universitários se recusavam a ter esse
aparelho dentro de casa (os filhos, se quisessem assistir a um seriado, ou uma
novela, que fossem ver na casa do vizinho ou da avó). Intelectuais se
vangloriavam de não ver a Hebe ou o Chacrinha. Havia mais teses acadêmicas
sobre o Novo Cinema Alemão do que sobre programas de auditório. Ao lado de
Arthur da Távola, Décio era dos pouquíssimos a ter coragem de pensar e de
escrever sobre o maldito eletrodoméstico, adorado pelas massas e desprezado
pelos bem-pensantes. Ele via Chacrinha, via novela, via os comerciais - e
entendia.
Eugênio Bucci - O Estado de
S.Paulo
Décio enxergou o bicho em seu corpo inteiro: “A TV é um cinema caudaloso e ininterrupto que, ritmado pelos comerciais, se distribui por milhões de receptores, numa linguagem que combina todas as linguagens, numa produção seriada e industrializada da informação e do entretenimento”. Para ele, o embaralhamento das linguagens era tamanho - a linguagem literária se misturava com a linguagem do teatro, depois com a linguagem do cinema, com a mímica etc etc etc - que não se poderia falar em uma única linguagem na televisão. “O signo-sintagma televisual é um complexo intersigno.” Preferia, então, falar em “signagem”. No tubo de raios catódicos ele via uma cascata de signos na velocidade da luz, combinando-se e recombinando-se. Via e fazia a festa crítica em seus textos cortantes. Décio derrubou, ao menos em parte, o preconceito que marginalizava a TV, impedindo que ela entrasse nas universidades, na pauta do jornalismo dito sério, na cabeça dos quatrocentões e na agenda dos militantes de esquerda.
É bom reler o que ele escreveu. É
muito atual. Mesmo hoje, quando todos os quatrocentões, todos os professores
universitários, todos os jornalistas e todos os militantes de esquerda dão a
alma para aparecer na TV ao lado do Ratinho, Décio continua vendo mais do que
muitos de nós.
Eugênio Bucci é jornalista,
professor da Eca-USP e da ESPM; escreve quinzenalmente na página 2 do Estado
Os intelectuais não entendem o cotidiano, fica distante do sentimento e desejo do povo. Bem que poderiam seguir o exemplo de Oscar Niemeyer, um intelectual que fez historia, convivendo com o povo de forma simples.
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