A saga dos artistas nordestinos
Carlos Roberto de Miranda Gomes,
escritor-veranista
No limiar do meu veraneio em
Cotovelo, terminei a leitura do elucidativo livro "O Fole Roncou", de
autoria dos jornalistas Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, Ed. ZAHAR do Rio
de \janeiro, 2012.
Até então tinha noção da
trajetória individual de alguns artistas nordestinos, os mais famosos, a partir
do Rei do Baião, LUIZ GONZAGA, cujo centenário de nascimento foi comemorado no
ano que findou, mas ignorava a verdadeira saga de muitos deles, em especial, da
verdadeira corrente de solidariedade que possibilitou, após sacrifícios e
sofrimentos, a divulgação para o eixo Rio-São Paulo, o valor e a fibra do
nordestino, que justifica o adágio: "o nordestino, antes de tudo, é um
forte".
A obra começa narrando a viagem de
Câmara Cascudo às entranhas do Rio Grande do Norte, percorrendo 1.370
quilômetros de estrada de ferro, e outros tantos usando transportes os mais
diversificados, desde o automóvel, canoa, rebocador até hidro-avião, para
constatar que o sertão se esvaía. Tinha então 41 anos e lá se iam os idos de
1934.
Anotou a construção de açudes, o
sofrer do homem rural, a insegurança ainda remanescente do
"cangaceirismo", enfim, os seus dramas, seus anseios e
potencialidades, que foram divididas em dezessete crônicas publicas em A
República e depois condensadas no livro "Viajando o sertão".
Dentre os temas desenvolvidos não
esquece o estudo de suas danças de antigamente e as estórias transmitidas pelos
cantadores e as transformações de costumes ditadas pelo progresso.
Partido dessas constatações começa
a história de um novo tempo, entre os períodos de 1920 a 1930 com Seu Januário
nos forrós das cidades pernambucanas, então acompanhado pelo jovem Luiz
Gonzaga, que aprendeu essa habilidade, passando a ser sanfoneiro afamado, eis
que confundido com os cabras de \lampião, pois usava vestimentas semelhantes.
Na verdade, suas vestes tinham a
intenção de evidenciar as tradições do sertanejo e homenagear sua bravura, o
foi sendo assimilado até ganhar o título de "Rei do Baião".
Em 1950 já era nome respeitado e a
disseminação do xaxado e depois o baião, gênero musical que surgiu no Brasil,
nas composições de Gonzaga e dos seus grandes parceiros Humberto Teixeira
(advogado) e Zé Dantas (médico).
O nordeste estava sendo
"sanfonizado", criando escola para dezenas de outros grandes
instrumentistas, sem desprezar o velho fole de oito baixos: "Luiz respeita
Januário"!
Os primeiros ensaios de sucesso
foram surgindo: Penerô Xerém, Cortando Pano, Xamego, Dezessete e
setecentos, culminando com as antologias No meu pé de serra,
juazeiro, Baião, Qui nem jiló, Assum preto, Baião de dois e
Mangaratiba, até o apogeu da monumental Asa Branca.
Vencendo a resistência dos paulistas
e cariocas, o consagrado Gonzaga passa a recepcionar outros artistas
imigrantes, dando-lhes abrigo de teto, comida e colocação nas emissoras e
gravadoras. Nessa levam contabilizam-se Marinês (Rainha do xaxado), Abdias e
Cacau, a chamada Patrulha de Choque de Luiz Gonzaga, que veio a criar fama com
"Marinês e sua Gente". Seguem-se Zito Borborema e Miudinho.
Paralelamente chega ao Rio o jovem
José Gomes Filho (Jackson do Pandeiro) que, vencedor em sua carreira adota o
mesmo propósito de Gonzaga, dando guarida aos novos conterrâneos Almira
Castilho, Zé Calixto, Antonio Barros, Genival Lacerda, João do Vale, o
compositor Onildo Almeida e tantos outros.
O livro é meticuloso e
esclarecedor, mostrando os problemas emergentes de cada década, com a incrível transformação
de costumes, de ritmos e de instrumentos, o forrock, forró universitário,
gênero sertanejo, numa mistura que, no entanto, não destruiu o
tradicional, haja vista o surgimento de novos sanfoneiros e cantores
nordestinos, com destaque para Dominguinhos e Anastácia, Alceu Valença, Elba e
Zé Ramalho. Desse tempo temos ainda Fagner, Quinteto Violado, Sivuca, Amelinha,
Morais Moreira, Waldick Soriano.
As mudanças e os amantes de outros
gêneros não ofuscaram o xaxado e o baião, pois houve compreensão e apoio da
jovem guarda - Roberto Carlos, Erasmo, Wanderléia, os tropicalistas Caetano,
Gal, Gil e Betânia.
Surgem os programas específicos de
apresentadores de Televisão ou criadores de programas ao vivo, como "O
forró de Zé Lagoa", de Rosil Cavalcanti, Aberlardo Barbosa (Chacrinha),
Chico Anysio e outros mais, que deu emprego a muitos imigrantes.
A solidariedade sempre esteve
presente entre os nordestinos, mas ganhou espaço entre artistas de outros
gêneros, como Antonio Carlos Jobim: Se eu fosse editor, ia buscar no
Nordeste: as coisas mais geniais do mundo estão lá., Vinicius de Morais, Angela
Maria, do apresentador.
O Rio Grande do Norte esteve
presente nessa corrente através dos meninos do Trio Irakitan (Edinho, João e
Gilvan), Elino Julião, Trio Mossoró (Oséas, Hermelinda e João Batista), e até
de um médico-compositor potiguar Janduhy Finizola, que consagrou a "Missa
do Vaqueiro", em homenagem a Raimundo Jacó, primo de Gonzaga, pelo menos.
Muitos empecilhos à normalidade
dos nordestinos aconteceram com os festivais da Televisão, mas outros tantos
também vieram em alento, como o Projeto Pixinguinha e outros semelhantes.
Hoje vivemos a moda das casas de
show, onde o forró se faz presente, fora dos discos, mas criando o interesse de
divertimento e com isso garantindo a sobrevivência, dando ensejo às bandas
Mastruz com Leite, Calcinha Preta, Aviões do Forró, Cavaleiros do Forró, Garota
Safada, etc.
Prolifera a "apelações",
com letras de duplo sentido,
Mesmo diante de sucessivas crises,
certamente a música nordestina nunca será esquecida, mercê dos velhos artistas
que ainda estão na estrada e novos nomes, como Oswaldinho, Waldonys. Chico
Cesar, Jorge de Altinho, Dorgival Dantas, Genário e outros mais.
Sei que esqueci muitos outros
nomes. Perdoem, mas o importante é ler o livro!
O fole nunca mais deixou de
roncar!
"Porque o que se leva dessa vida, coração, é o amor que a gente tem pra dar."
(Antonio Barros e Cecéu,
consagração na voz de Marinês)
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