Ruy Castro relata seu tormento no
dia em que decidiu parar de beber. “Enfim, foi hoje, há
25 anos. Mas hoje é apenas mais um dia”, escreve Castro.
Segue o texto abaixo:
Foi num dia 25 de janeiro, como
hoje. Enquanto Alice tirava o carro, abri a geladeira e, tremendo muito,
servi-me de quatro copos de vodca –pura, gelada, do freezer. Copos, não doses.
Cheios, cada qual tomado de um gole, e que, como sempre, desceram como água. O
tremor nas mãos não traía nervosismo. Tremia porque acabara de acordar e estava
sem beber havia horas. Ainda não descobrira como beber dormindo.
Acordado, bebia um mínimo de dois
litros de vodca por dia, só em casa –o consumo na rua era difícil de calcular.
Uma vez por semana, a empregada botava os cadáveres para fora, à espera do
garrafeiro. Os vizinhos deviam achar que os moradores daquela casa bebiam
muito. Se soubessem que um único morador engolia aquilo tudo, não acreditariam.
Dali a pouco, estávamos na rodovia
Raposo Tavares, rumo a Cotia, a 31 km de São Paulo, onde eu então morava. Sabia
que, no lugar para onde Alice me levava –uma clínica para dependentes
químicos–, não haveria bebida. Os quatro copos teriam de bastar até o fim do
dia. Mas, e o dia seguinte? E os 30 dias seguintes? Não tinha ideia, nem me
preocupava. Afinal, não vivia dizendo que “bebia porque gostava” e “seria capaz
de parar quando quisesse”?
Os primeiros cinco dias foram de
horror –o organismo reagindo ao corte súbito do suprimento com tremores pelo
corpo inteiro, agitação, insônia, diarreia, taquicardia, suores, possibilidade
de delírio. Nas palestras, as vozes dos terapeutas soavam muito longe e o que
eles diziam, um mistério. Os colegas de internação, fantasmas sem rosto. Mas,
aos poucos, o horror passou e, em menos de duas semanas, foi sendo substituído
por uma sensação quase insuportável de lucidez, vigor físico e vontade de viver
–como nunca antes. Até hoje.
Enfim, foi hoje, há 25 anos. Mas
hoje é apenas mais um dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário