Coincidências
Não sei explicar a atração que os
mais velhos têm pelas coisas passadas, como guardadas no recôndito da alma,
para aflorarem em momentos oportunos.
Carlos Roberto de Miranda Gomes,
escritor-veranista
Outra vez, na placidez do meu alpendre da casa de Cotovelo, fico em devaneios com as minhas leituras, ligando os fatos de um tempo bom que passou.
Agora terminei de ler o livro
sobre Dolores Duran, do jornalista Rodrigo Faour, que oferece passagens da vida
daquela extraordinária cantora-compositora que coincidem com a minha passagem
pelo rádio, no curto período de 1948-1954.
Primeiro, o gosto pelo repertório
de Edith Piaf, Noel Rosas e os bolerões de Gregório Barrios, Bienvenido
Granda, Fernando Fernandez e as canções de Frank Sinatra e Charles
Aznavour.
Depois as emoções dos bastidores –
a primeira temporada fora do seu lugar, ela e eu, no período 1950/1951,
respectivamente para Vitória(ES) e Forteleza(CE), onde travamos conhecimento
com pessoas notáveis e fundamentais para a carreira. Da minha parte registro o
compositor Luiz Assunção, que me presenteou, com dedicatória, a partitura do
samba-canção “Que linda manhã” e que guardo até hoje com muito carinho e que
anos depois foi gravada por Rinaldo Calheiros; o maestro Mozart Brandão, com
quem fiz algumas apresentações e foi também arranjador de Dolores, que então se
transferira para a Tupi de São Paulo; o violonista Evaldo Gouveia, hoje estrela
de primeira grandeza no cenário musical do Brasil.
Foi nessa época que fiz a minha
primeira e única gravação, cujo resgate do disco desgastado pelo tempo e dado
como imprestável, foi salvo pela competência do técnico carioca Fernando Acar,
juntamente com outra relíquia gravada em um gravador de fio, nos idos de 1949 e
transportado para um acetato, tendo de um lado um trio que veio a se chamar
Irakitan, cantando a canção “Você não sabe amar” e no outro lado eu cantando
“Sin ti”, acompanhado pelo trio. Os componentes do trio – João, Edinho e Gilvan
jamais tomaram conhecimento dessa gravação, pois só a resgatei após a morte dos
três.
Dolores dominava os idiomas
inglês, francês e espanhol e eu arranhava o “castelhano” e o “italiano”,
chegando a gravar um programa de aniversário da Rádio Poti nos idos de 1953 ou
1954, com as músicas “Novillero” e “Encantesimo”, nas línguas de origem e que
delas nunca mais tive notícias. Lembro que o discotecário de então era o
radialista Eugênio Neto.
Outras coincidências – nossa
estatura de menos de 1,60m, que ensejaram apelidos - ela conhecida como “um
pinguinho de gente” e eu era “o cantor mignon”, tanto que às vezes, para
alcançar o microfone (cabeção), usava o - banquinho do maestro.
Tudo o que ela cantava fazia parte
do meu repertório eventual, pois o meu forte era o repertório de Silvio Caldas,
Augusto Calheiros e Paulo Molin, este último chegou a fazer um programa com
Dolores e Déo (o ditador de sucessos), denominado “três num só” e eu cheguei a
cantar em programas com Molin e Déo, aqui em Natal.
Seus artistas preferidos também
eram os meus – Sílvio Caldas, Angela Maria, Elizeth Cardoso, Dóris Monteiro,
Ivon Curi, Lúcio Alves e Caubi Peixoto.
Tivemos amigos comuns – os meninos
do Trio Irakitan, fomos eleitores no mesmo ano, 1958. Éramos constantes
leitores da Revista do Rádio e Radiolândia e do escritor escocês A.J.Cronin,
que representou para mim o despertar pelo gosto pelos livros.
Fomos pintores amadores e
alimentávamos temas ligados à solidão.
Registro, da mesma época , sua
composição "Fim de caso": Eu desconfio, que nosso caso está na
hora de acabar" ... enquanto eu compus "Tudo,
terminou": "Afinal, terminou nosso amor, mas de um modo banal.
Afinal acabou, esse nosso idílio irreal"...
Nossos grandes momentos
aconteceram em 1954, mas com efeitos completamente opostos, pois Dolores deu
impulso à sua carreira que duraria somente até 1959, com seu falecimento aos 29
anos e eu abandonei o rádio, quando já tinha contrato com a Rádio Tamandaré de
Recife e possibilidade de gravação na Rosenblit, tendo sido o contrato cumprido
por Agnaldo Rayol, optando eu pela dedicação aos estudos, o que me proporcionou
incontáveis vitórias e me sustentam além dos 70 anos – coisas do destino!
Fica o lamento de nunca ter
conhecido Dolores pessoalmente, pelo menos neste plano existencial, mas a sua
voz ainda encanta os meus ouvidos e enleva a minha alma.
Esta vendo Didi Avelino, o
presente que você me deu de Papai Noel?
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