Os
números são tão astronômicos quanto aterrorizantes. Cerca de 150 milhões de
habitantes africanos não têm acesso à quantidade mínima de calorias diárias,
sendo que, deste total, 23 milhões deverão morrer de fome.
Por
Gilson Caroni Filho*
![]() |
A música "We are the world" reuniu cantores em um movimento contra a fome |
No
nordeste do continente, segundo levantamento da ONU, 10 mil crianças morrem
mensalmente em decorrência da seca. Ou seja, o número de vítimas supera, e em
muito, o número de mortos nos 14 anos de guerra no Vietnã.
Segundo
o diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentos da ONU, James Morris, “a
escassez de alimento na África provoca a instabilidade política, desse modo, a
fome é, ao mesmo tempo, causa e conseqüência da pobreza. Além disso, é causa e
conseqüência dos conflitos”. Segundo estudos do Instituto Internacional de
Pesquisa em Alimentação nos próximos 20 anos o continente africano terá uma
redução na produção de alimentos em cerca de 20%, fato desencadeado pelos
conflitos internos.
A
magnitude do drama costuma vir acompanhada de explicações que vão do
crescimento demográfico desordenado à desertificação e conflitos étnicos. O que
se busca ocultar é a responsabilidade de europeus e norte-americanos que, ao
longo do tempo, mudaram radicalmente a estrutura de produção e consumo no
continente africano, deixando como resultado a escassez, subnutrição e fome,
com altos lucros para as grandes corporações.
Em
verdade, estamos assistindo ao preço pago pela herança colonial e pela desorganização
da produção agrícola provocada pelos complexos agroindustriais dos países ricos
ocidentais. Em vários países, o cultivo intensivo de áreas com uma débil
fertilidade acabou destruindo a camada de húmus. Com isso, regiões imensas se
tornaram estéreis, não tanto pela falta de chuvas, que sempre foi escassa e
irregular, mas pelo manejo totalmente predatório do solo.
Uma
experiência promovida pelo colonialismo europeu não pode ser esquecida. Logo
depois da Segunda Guerra Mundial, os franceses resolveram investir no Mali, num
momento em que o algodão e o amendoim entraram em crise no mercado mundial. O
pequeno rebanho malinês foi rapidamente multiplicado. Após quatro ou cinco anos
de bons resultados veio a seca. Os bois tiveram que se concentrar em áreas
muito pequenas. O resultado foi que as milhares de cabeças aglomeradas em
poucos poços de água acabaram com todo o pasto, comendo, inclusive, as raízes.
Quando as chuvas voltaram, o solo era areia pura, o rebanho ficou reduzido a um
sexto e o pasto nunca mais se recompôs. A política de terra arrasada sempre foi
uma vantagem comparativa para europeus e estadunidenses.
A
fome africana não pode ser reduzida a uma formulação malthusiana. Se o
acelerado crescimento demográfico em algumas regiões influi no equilíbrio
alimentar, não é a taxa de natalidade que produz o elevado número de
subnutridos. As razões para a fome endêmica devem ser buscadas em estruturas
agrárias moldadas no período colonial e “aperfeiçoadas” posteriormente para
atender aos centros consumidores do Ocidente. Mas a danação do continente
envolveu outros fatos.
Ainda
há o legado da Guerra Fria. Na área político-econômica, as “guerras por
procuração”, promovidas pelas superpotências na África, devastaram a economia,
destruíram as já precárias redes de saúde pública e causaram grandes fluxos
migratórios e fomes epidêmicas que contribuíram para a disseminação de
moléstias infecto-contagiosas. Sarampo, cólera e malária, doenças que matam as
crianças africanas, não serão erradicadas sem que se promova uma profunda
mudança nas condições ambientais que favorecem sua instalação, aí incluída a
ecologia social.
Redefinir
a inserção da África exige uma reformulação completa da estrutura produtiva
vigente no mundo capitalista. O problema da fome deixou de ser uma questão
assistencialista para se tornar um ponto de inflexão em estruturas
multisseculares. Não basta cantar “We are the world”. É preciso construir um
mundo alternativo ao que aí está.
*Fonte: Viomundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário