CINEMA
Por
Carlos Emerenciano (@cemerenciano)
Imaginem
a situação: um jovem médico utiliza-se de técnicas terapêuticas ainda não
referendadas pela comunidade científica internacional. Começa, então, a tratar
de uma paciente esquizofrênica e histérica, que sofre de distúrbios de origem
sexual, e termina por se envolver com ela. E mais: a paciente sofre de uma
espécie de prazer masoquista, sendo, portanto, apreciadora de umas tapas
durante o sexo. O jovem, instigado por sua bela e histérica paciente, não se
faz de rogado e aplica-lhe, sempre que pedido, umas boas tapas, distribuídas ao
gosto da “cliente”.
Lendo
o relato acima que, se não fossem as mal traçadas linhas, mais se parece com
uma história do genial Nélson Rodrigues, creio que a maioria dos leitores e
leitoras devem ter repudiado o comportamento do médico. Certamente,
consideraram o jovem, no mínimo, antiético, ao não manter uma distância
recomendável entre médico e paciente. Alguns, estimulados pelo fato de se
tratar de alguém que não segue os padrões já estabelecidos pela medicina
tradicional, devem ter concluído, inapelavelmente, por ser o sujeito um
charlatão. Um enganador que abusa da boa-fé dos seus pacientes. Seguindo
adiante, outros devem ter ido além, julgando o médico como um monstro, um
pervertido sexual, comparável aos pedófilos, tendo em vista que se envolveu com
alguém debilitada psicologicamente, diante de sérios transtornos mentais. E,
ainda por cima, um covarde que espanca mulheres. Um trágico futuro lhe estaria
reservado se ele fosse preso por tais condutas. Dificilmente os seus
companheiros de cela o perdoariam.
Nem
tudo, porém, é o que parece. Ou melhor, pouca coisa nesse mundo (ou nada)
corresponde exatamente ao que a gente vê. A história relatada acima, pintada
com cores fortes, com os aspectos negativos devidamente realçados, ocorreu com
o médico e psicanalista suíço Carl Gustav Jung e a sua paciente à época Sabina
Spielrein. E por que nem tudo é o que parece? Graças aos métodos psicanalíticos
desenvolvidos por Sigmund Freud e Jung e aplicados pelo suíço (no lugar dos
terríveis e ineficazes tratamentos de então com base em descargas elétricas nos
corpos dos pacientes), Sabina Spielrein pôde superar seus traumas e se tornar
uma brilhante e consagrada médica. Uma das primeiras psicanalistas da
humanidade. A russa Sabina, para quem desconhece, voltou os seus métodos
psicanalíticos para o desenvolvimento da educação infantil. A instituição
educacional que criou em Moscou, chamada de “Berçário Branco”, tinha como
principal finalidade o amadurecimento crítico e analítico de crianças.
Perseguida por Stálin, por suas ideias libertárias, Sabina foi morta em 1936,
vítima da política repressiva do regime comunista, intitulada como “grande
terror”.
Ou
seja, nem Sabina era uma incapaz intelectual e, portanto, teria sido
perversamente abusada por Carl Jung, nem este foi o monstro propositadamente
pintado no início de nossa conversa. Pelo contrário. O tratamento de Jung
acendeu a centelha criativa naquela jovem, amordaçada por traumas de infância e
vista como louca. Na época, o método psicanalítico, ainda incipiente,
mostrava-se muito mais perigoso do que nos nossos dias, diante do seu
ineditismo e da falta de parâmetros que pudessem nortear o comportamento do
médico diante de seu paciente. A entrega de Jung à cura dos males que
atormentavam Sabina e o nítido interesse da jovem pelo médico, terminaram por
envolvê-lo. A julgar pela história da russa, de interna numa clínica para
tratamento de doentes mentais à respeitada psicanalista, presumo que ela
possuísse o mais irresistível e sensual dos requisitos femininos: uma singular
inteligência. Ficou difícil para o médico resistir a tentação.
O
filme “Um método perigoso” (A Dangerous Method/ 2011, direção: David
Cronenberg) trata não apenas dessa intrigante relação entre essas duas
personagens históricas, como também a insere no contexto do movimento
psicanalítico, de suas descobertas e dos naturais conflitos surgidos. E aí
aparece a figura de Sigmund Freud (Viggo Mortensen), no início orientando a
aplicação das técnicas psicanalíticas por Carl Jung (Michael Fassbender) e
depois se afastando do jovem, por não concordar com os caminhos por ele
enveredados.
O
filme, com excelente ambientação histórica, mostra a Europa do início do século
XX, um pouco antes do advento da 2ª Guerra Mundial e serve como um roteiro para
quem quer conhecer um pouco mais sobre o rico e intrigante universo da
psicanálise. Se os caros leitores quiserem ir além, principalmente em relação a
Sabina Spielrein, sugiro que assistam a “Jornada da alma” (The Soul keeper/
2003). Um belo filme sobre essa mulher notável e o seu relacionamento com Jung.
Se quiserem conhecer mais sobre o pai da psicanálise, recomendo “Freud além da
Alma” (The Secret Passion/ 1962), esplendidamente interpretado por Montgomery
Clift, em filme dirigido por John Huston.
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