CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

8.9.11


As coisas não se definem apenas pela personalidade ou por convicções dos líderes. As circunstâncias históricas moldam as ações de quem comanda. Mas que o indivíduo tem um papel na História, isso tem.
Blog do Alon
O futuro da indústria brasileira é ponto de tensão entre economistas. Uns a consideram condenada, pela desvantagem competitiva diante de países com mão de obra abundante e barata. Outro defendem que não há como uma nação do tipo do Brasil alcançar a plena realização sem reconhecer papel central no setor.
A História brasileira registra a presença permanente de traços anti-industrializantes. Desde a colônia, quando manufaturas eram criminalizadas. Passando pelo Império, que levou um século quase inteiro para abolir a escravidão e nunca chegou a fazer a reforma agrária. Chegando à República, que na primeira fase (Velha) se limitou a estender no tempo o poder das oligarquias agrárias.
Aí veio Getúlio Vargas, e o Estado começou a arrastar a sociedade pelos cabelos rumo à industrialização forçada. Depois recebemos Juscelino, com a substituição de importações. E tivemos sorte na sequência. Assim como os argentinos, fomos vítimas de uma era ditatorial, mas nossos generais eram industrialistas, ao contrário dos generais deles, que destruíram a base manufatureira.
Claro que isso é uma redução, as coisas não se definem apenas pela personalidade ou por convicções dos líderes. As circunstâncias históricas moldam as ações de quem comanda. Mas que o indivíduo tem um papel na História, isso tem.
Industrialização não é processo indolor, especialmente para quem chega tarde ao baile, e não pode portanto se movimentar livremente na busca de mercados consumidores e fontes de matéria-prima.
Essa tensão entre velhas e novas potências industriais ofereceu o substrato para as duas grandes guerras mundiais do século passado. Muitas dezenas de milhões de mortes ficaram no registro histórico para comprovar.
Industrializar exige sacrifícios. Exige poupança e também competitividade da força de trabalho. Mas não é, como se poderia supor, uma questão de destino. É sempre decisão política, e que, aí sim, depende em bom grau do que deseja a liderança política.
O viés anti-industrialista no Brasil não é danação de origem divina. É produto de escolhas. De uma sociedade que se acostumou a combinar 1) a aversão ao trabalho braçal, traço herdado de quatro séculos de escravidão, 2) o hábito de contar com poupança alheia para sustentar o próprio consumo, 3) o recurso a uma agricultura de potencial supostamente infinito e 4) a ilusão de que o estado sempre virá em socorro quando as coisas derem errado.
Da colônia ao Império e deste à República o Brasil urbanizou-se, democratizou-se, deixou de ser uma sociedade de camadas congeladas. Mas aqueles traços não foram superados.
Até temos indústria, mas nem de longe ela é o setor dinâmico da economia. Por estes dias assistimos a uma guerra que a Apple, paradigma planetário de inovação industrial, trava com a coreana Samsung. O Brasil, infelizmente, vai a anos-luz de ter uma empresa que possa competir com a Apple.
Nas ruas brasileiras trafegam cada vez mais marcas de automóveis. As montadoras instalam-se aqui para ocupar mercado. Só não há marcas brasileiras de carros.
Nossa indústria aeroespacial come poeira. Verdade que temos uma importante montadora de aviões, a Embraer, mas é só. Outro ramo estratégico, a nossa indústria bélica, deixou na prática de ter relevância, nacional e globalmente.
O leitor e a leitora poderão objetar com estatísticas sobre a participação da indústria no produto etc. Aqui os números mascaram o fato já dito, da ausência de dinamicidade industrial no país. Há quanto tempo você não ouve falar que o PIB industrial está puxando o crescimento econômico?
Para a acomodação à sina vale de tudo. Até a constatação de que o baixo crescimento ajuda a preservar o meio ambiente. Uma pedra verde juntada ao edifício ideológico de séculos.
Eis por que merece atenção o gesto do governo Dilma Rousseff, de, por meio do Comitê de Política Monetária, cortar os juros em cenário inflacionário desafiador. A resposta veio. O dólar pouco a pouco vai recuperando valor diante do real.
Para decepção dos que diziam que a hipervalorização da moeda pouco ou nada tinha a ver com o diferencial dos juros internos e externos. Para esperança dos que sonham com um Brasil independente, finalmente liberto das suas amarras anti-industrialistas.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta quarta (07) no Correio Braziliense.

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