12.7.11
Postado por
Sávio Hackradt
Artigo de Marcio Pochmann *
A estrutura da economia mundial se altera rapidamente desde a virada do século 20. Países asiáticos assumem cada vez maior participação relativa na produção global. Sem contabilizar o Japão, o conjunto das economias asiáticas responde por quase 43% da produção global, enquanto em 1973 representava apenas 16,4%.
Em contrapartida, nações como os Estados Unidos e a Inglaterra, que juntas respondiam por 26,3% do produto global em 1973, representam atualmente 21,5%. Essa inversão no sentido da composição da produção mundial sinaliza a conformação de uma nova Divisão Internacional do Trabalho assentada no movimento combinado e desigual da desindustrialização do velho centro manufatureiro global com a industrialização acelerada de países periféricos, sobretudo asiáticos.
O curso atual do enfraquecimento das antigas economias manufatureiras está longe de expressar a desindustrialização regressiva verificada no século 19, quando o avanço na internalização das bases do capitalismo industrial inicialmente na Inglaterra e, posteriormente, nos Estados Unidos e outros poucos países, foi acompanhada pelo retrocesso na base produtiva artesanal existente em outras regiões. Em 1913, por exemplo, a Ásia sem o Japão respondia por 22,3% da produção global, contra 56,4% em 1820.
A Inglaterra e os Estados Unidos, que, por outro lado, representavam juntos somente 7% da produção mundial de 1820, passaram a responder por 27,1% no ano de 1913. Em grande medida, o ciclo de industrialização original e retardatária na Inglaterra e nos Estados Unidos, respectivamente, se fortaleceu na medida em que a globalização liberal do século 19 destravou o livre comércio e, com isso, ocasionou o esvaziamento da base produtiva artesanal em antigas regiões com elevados excedentes exportadores.
Em síntese, o século 19 possibilitou que o avanço do capitalismo industrial em alguns poucos países ocorresse simultaneamente ao esvaziamento da desindustrialização da produção artesanal até então existente. A Índia, por exemplo, que era a grande exportadora de produtos têxteis no início do século 19 (sedas e artesanato), conviveu com a destruição de sua base produtiva diante do comércio livre com a Inglaterra produtora e exportadora de manufaturados têxteis oriundos da mecanização (tear mecânico), da logística ferroviária e da reorganização do trabalho industrial.
Assim, no final do século 19, três quartos do consumo têxtil indiano eram abastecidos por importações inglesas. Em compensação, o artesanato foi sendo substituído pela produção de algodão, juta e índigo. A especialização da produção de mercadorias primárias não se mostrou suficiente nem mesmo para oferecer segurança alimentar, considerando-se problemas de fome constatados na Índia.
A Inglaterra exportava manufatura e importava matéria-prima e alimentos dos países sem indústria moderna. Dessa forma, a Índia — que abandonou sua produção local para atender ao consumo interno por meio da importação da Inglaterra — não tinha a garantia de que os ingleses fariam a mesma coisa. Ou seja, a Inglaterra vendia manufatura para a Índia, mas não importava o trigo e outras culturas de subsistência da própria Índia, pois as adquiria dos Estados Unidos.
Também para os chineses, a liberação dos entraves ao comércio externo, como o Tratado de Nanquim, em 1842, encerrou a "Guerra do Ópio" em favor dos ingleses. Com o ingresso do ópio na China, seus efeitos se mostraram desastrosos sobre a estrutura produtiva total. O mesmo poder-se-ia dizer a respeito da situação do Ceilão, que, ao aceitar os pressupostos da globalização liberal do século 19, perdeu a sua base produtiva artesanal em favor da dependência das importações manufaturadas em troca da exportação de chás.
Pela globalização neoliberal da virada do século 20, o antigo centro produtivo mundial tornou-se crescentemente oco, com o esvaziamento do parque manufatureiro. Indústrias centenárias como siderurgia, têxtil e vestuário, estaleiros, entre outras, são esvaziadas por força da pujança da produção manufaturada dos países que rapidamente se industrializam.
A defesa da liberalização comercial nos dias de hoje parte do pressuposto de que o setor terciário (serviços) poderia ocupar mais satisfatoriamente o espaço vazio deixado pela desindustrialização. Ainda que o avanço da tecnologia nos serviços possa ajudar a minorar os problemas das finanças desindustrializantes, o comércio mundial assentado nos bens manufaturados tende a reorganizar a produção global em poucas localidades, sobretudo na Ásia.
A relação entre países deficitários e superavitários no comércio global não revela necessariamente a força da nova Divisão Internacional do Trabalho. Tal como no século 19, o Brasil cresceu sua participação relativa na produção global à taxa média anual de 0,6%, passando de 0,4% para 0,7% entre 1820 e 1913, enquanto a sociedade agrária era atrasada e exportava bens primários. No período de sua industrialização, o peso crescente da manufatura permitiu que a presença brasileira na produção global crescesse 2,5% ao ano (de 0,75%, em 1930, para 2,6%, em 1980).
O dinamismo do seu mercado interno e a modernização da sociedade foram seus principais trunfos. Na virada do século 20, a aceitação da globalização neoliberal fez com que a sua base manufatureira regredisse, reduzindo a participação relativa na produção global não fosse o aumento da exportação primária. Na década de 2000, o peso relativo do Brasil no produto industrial mundial foi de apenas 1,9%, ante 2,9% da década de 1980.
Sem ter passado pela velha desindustrialização do século 19, o Brasil não está condenado a ter que participar da nova desindustrialização. O cenário atual de moeda nacional valorizada, combinada com taxas de juros elevadas, faz avançar a reprimarização da pauta exportadora e a geração interna de manufatura com alto conteúdo importado.
Com taxa de investimento inferior a 20% do produto, prevalece a contenção da inovação tecnológica, geralmente suprida pelas compras externas. Os esforços em educação seguem importantes, ainda que doutores e mestres em profusão sigam mais ativos na docência do que na pesquisa aplicada no sistema produtivo.
A negativa à nova desindustrialização requer reafirmar a macroeconomia do desenvolvimento sustentada pelo maior valor agregado industrial e conhecimento. A impulsão dos investimentos é estratégica, seja pela agregação de valor às cadeias produtivas e às exportações, seja pela ampliação da inovação tecnológica e educacional exigida. Assim, o novo desenvolvimento brasileiro pode convergir com as estruturas produtiva e ocupacional de qualidade, capazes de romper com o atraso secular da condição subordinada do Brasil no mundo.
* Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Estação Música Total
Últimas do Twitter
Arquivo
-
▼
2011
(1394)
-
▼
julho
(97)
- Karl Leite (@KarlLeite) em 1.400 caracteres
- Coluna Mercado Imobiliário
- Os atentados a Oslo e a era do preconceito
- Mauro Santayana: Os mimos da hipocrisia
- Erros de bacharéis em prova da OAB mostram desprep...
- Neísa Fernandes (@NeisaFernandes) em 1.400 caracteres
- Patrícia Carla (@profapatricia) em 1.400 caracteres
- Caso Murdoch: uma visão institucional da mídia oci...
- O livro Leitura Literária na escola Pública Potigu...
- Jussier Ramalho (@JussierRamalho) em 1.400 caracteres
- Um legado de Luta e de Amor
- Agnelo lança o livro “Carta ao Humano” 5ª feira
- Incerteza sobre dívida dos EUA eleva tensão nos me...
- Juventude Socialista do PDT fará convenção sábado ...
- Edmo Sinedino (@EdmoSinedino) em 1.400 caracteres
- Leide Franco (@LeideFranco) em 1.400 caracteres
- Disputa presidencial de 2010 foi mais acirrada ent...
- Mostra de cinema Francês começa hoje
- Base de assinantes da TV por assinatura cresceu 13...
- Rayane Guedes (@AvaGuedes) em 1.400 caracteres
- Resultado de pesquisa etnorraciais mostra que maio...
- Captações de investimento no mercado externo refle...
- Ministro britânico diz que direita americana ameaç...
- Rodrigo Brum (@Brummmmm) em 1.400 caracteres
- O Partido Trabalhista Inglês e a imprensa
- Coluna Mercado Imobiliário
- A “Marcha das Vadias” em Natal
- Edvanilson Lima Alves em 1.400 caracteres
- População deve ser consultada sobre construção de ...
- Supermercado Extra paga R$ 260 mil a criança vítim...
- Para 63,7% dos brasileiros, cor ou raça influencia...
- Betânia Carvalho (@BetaniaCarvalh) em 1.400 caract...
- O moderno reacionário é a porta de entrada do velh...
- 2 milhões entre extremamente pobres não recebem as...
- Renato Gomes Netto (@renato_natal) em 1.400 caract...
- Projeto pune discriminação contra a mulher no trab...
- Articulista pega 2 anos de prisão por racismo cont...
- Ubirajara Carratu (@bira_carratu) em 1.400 caracteres
- Luiz Lopes (@LuizLopesRN) em 1.400 caracteres
- Eliakim Araujo: O submundo do jornalismo
- Natal sedia congresso brasileiro de computação
- Dez Mandamentos para o comportamento dos políticos
- Mídia comercial só mostra a violência das favelas ...
- Ana Valeska (@aninhavaleska) em 1.400 caracteres
- Carlos Ayres Britto: homofóbico “chafurda no lama...
- 70 anos de salário mínimo no Brasil
- Bartira Seixas em 1.400 caracteres
- O poder atual da classe média para compra de imóveis
- A Rua: um misto de público e de privado?
- Rubens Lemos Filho em 1.400 caracteres
- Entrevistas no Calangotango
- A crise na educação do Rio Grande do Norte
- Historiador diz que só fim do euro salva a União E...
- Cinema revolucionário na Praça Tahrir
- Revista Cruviana será lançada hoje
- Brasil vai crescer menos do que vizinhos em 2011, ...
- Antonio Candido: “O socialismo é uma doutrina triu...
- Governo prepara ações preventivas à exploração sex...
- 67% das brasileiras se consideram estressadas
- You've Got a Friend
- Joe Cocker - With a little help from my friends
- Mais investimento em educação pode reduzir exposiç...
- Paul Krugman: EUA criam desculpas e atrasam recupe...
- O Brasil e a nova desindustrialização
- Crimes do mensalão podem ser prescritos antes do j...
- Japão lembra as vitimas da tragédia do terremoto e...
- SBPC sugere regime diferenciado para compra de equ...
- Brasil tem 300 milhões de hectares cercados, diz p...
- As sete exigências dos manifestantes egípcios na P...
- Abrir arquivos é rever história oficial da elite
- De volta às flores
- #FlashmobForaMicarla
- Como o PT enterrou o regime público nas Comunicações
- Petrobrás é a 34º empresa entre as 500 maiores do ...
- Número de usuários ativos de internet cresceu 23% ...
- Zona Norte vai discutir o Direito Humano à Cidade
- MARCCO/RN vai participar da 1ª Consocial
- Os EUA têm de pôr fim à guerra ilegal contra a Líbia
- Aumenta preocupação no exterior com saúde da econo...
- Acordo entre União Europeia e Índia pode condenar ...
- A cada minuto uma criança sofre acidente de trabal...
- Governo admite que novo aeroporto de Natal não fic...
- Água contaminada causa pelo menos 2 milhões de mor...
- Policiais em greve saem em passeata hoje
- Diálogos em Produção Cultural
- Falta de creche prejudica inserção de mulher no me...
- Quatro em cada dez mulheres já sofreram violência ...
- Ibope mostra como Kassab deixou de ser 'página em ...
- ''Enfrentamos a privatização da censura''
- A fome em um mundo rico de possibilidades
- Matemáticos acreditam que "Pi" está errado e criam...
- Mino Carta: com a tragédia da Grécia, vende-se o P...
- Aos 75, Hermeto Pascoal diz querer compor “a músic...
- 5º Circuito Cultural Ribeira
- Mídias públicas devem liderar produção de conteúdo...
- Lei que entra em vigor na segunda deve tirar milha...
- Zé Claudio Ribeiro - Matar árvores é assassinato
-
▼
julho
(97)
0 comentários: