24.7.11
Postado por
Sávio Hackradt
“Foi batalha pelo poder, que jamais conseguiríamos vencer”
Jonathan Powell * - Guardian, UK**
* Jonathan Powell foi secretário do Gabinete de Tony Blair (1997-2007)
Não escrevo para me desculpar pelos esforços que o Novo PT [orig. New Labour] fez para aproximar-se de Rupert Murdoch e de Lord Rothermere em 1994. Passáramos 18 anos na oposição, em parte porque não tínhamos nenhum tipo de cobertura que nos preservasse do massacre diário dos tablóides conservadores. Tentar nos aproximar de pelo menos alguns deles foi estratégia razoável. Políticos só sobrevivem se conseguem fazer-se ouvir pela opinião pública, e tem de ser pela imprensa. Mas aprendêramos bem as lições do tempo em que estivemos na oposição, e, chegados ao governo, nos preocupavam muito os barões da mídia, sobretudo na Europa.
Gordon Brown decidiu que o ‘primeiro turno’ que tinha de vencer, se quisesse chegar à liderança do PT seria aproximar-se de Murdoch e chegou a tentar usar a boa vontade que então recebia de Murdoch e de Paul Dacre, editor do Daily Mail, como alavanca para tirar Tony Blair do n. 10 da rua Downing. David Cameron seguiu essa escrita, e cultivou assiduamente uma nova geração de Murdochs, mobilizando-os contra o Brown.
Esse tipo de relacionamento entre políticos e a imprensa continuará, aconteça o que acontecer a Murdoch, a menos que se façam mudanças num plano muito mais fundamentalmente importante que o futuro financeiro da empresa News International. Em junho de 2007, Tony Blair fez cuidadoso discurso no qual falou dos problemas e ofereceu soluções. A imprensa desmantelou o discurso, porque a imprensa não tem nenhum interesse em nenhuma discussão séria sobre... a imprensa.
Assumo que nos deixamos apanhar na arapuca da ‘crítica’ que a imprensa nos fez, porque deixamos aquele discurso para muito tarde, quando o mandato de Tony já chegava ao fim. Erramos por medo da vingança da imprensa e por um erro inadmissível nos contatos com a ‘mídia’: apresentamos a própria ‘mídia’ como besta fera sem escrúpulos. Já deveríamos saber, àquela altura, que os jornalistas, colunistas e ‘analistas’ destacariam a ‘acusação’, apagariam o resto do discurso e calariam os argumentos que não lhes fossem favoráveis.
No governo, pensamos na possibilidade de tomar passos radicais, para por em novas bases o relacionamento com a imprensa. Em 2002, encomendamos a especialistas um estudo sobre novas regras de conduta para a imprensa, que poderia vir a ser lei; um projeto de lei para impor limites à propriedade de empresa de comunicação. Em discurso de 2006, a Rainha introduziu reflexões sobre algumas daquelas medidas. Mas recuamos, nas duas ocasiões, por causa do massacre incansável que sabíamos que aquelas medidas enfrentariam na imprensa. E não podíamos confiar no apoio da oposição (sequer podíamos confiar no apoio dos nossos!) por causa dos desesperados elogios que Gordon fazia a Dacre e Murdoch. No final, entendemos que era uma guerra pelo poder e que não tínhamos meios para vencê-la.
A raiz do problema é a impermeabilidade da imprensa a qualquer controle. E a total impunibilidade. A razão pela qual os jornais de Murdoch e outros podem invadir contas bancárias, plantar jornalistas seus empregados em todos os cantos do governo, de onde podem roubar documentos, vasculhar latas de lixo e agendas pessoais de políticos e celebridades em geral e interceptar telefones de cidadãos comuns é porque (1) nada lhes acontece e (2) há uma ideologia de legitimação desses atos (os jornalistas estariam ‘fiscalizando’ o poder). Costumávamos perguntar aos jornalistas dos jornais dominicais, por que haviam publicado matéria que sabiam ser forjadas. Eles riam e respondiam que “era uma grande matéria”. Quando, depois, se comprovasse que a matéria fora forjada, nada aconteceria nem ao jornalista nem a empresa que o emprega: já haveria outras notícias, o mundo anda, ninguém seria punido. Uma ou outra condenação judicial de jornais ou jornalistas vira tabu, que nenhum jornal publica.
Dacre diz que, diariamente, é julgado pelos leitores. Bobagem. Quase dois milhões de pessoas compraram o News of the World depois de o jornal já estar exposto pela prática de vários crimes, como se fosse edição ‘normal’ do jornal do domingo a que estavam habituados.
A Comissão de Autorregulação da Imprensa, fundada pelos barões da imprensa e presidida pelo próprio Dacre e outros editores, já comprovou que é incapaz de manter qualquer tipo de fiscalização dos crimes que a própria imprensa comete. Assim sendo, por que não examinamos soluções encontradas em outros países? A resposta automática é que queremos preservar nossa tradição de imprensa livre. Mas a Alemanha criou leis que asseguram pleno direito de resposta. Alguma imprensa ficou menos livre, por algum caluniado ter-se defendido? As televisões seriam talvez menos livres, se fossem fiscalizadas e cobradas quando não fossem imparciais? Países nos quais se respeitam as leis que protegem a privacidade dos cidadãos seriam por acaso menos democráticos? Claro que não.
Em todas as ditaduras, a imprensa é controlada pelo favor do ditador: só o próprio ditador e seus amigos oligarcas podem ser proprietários de empresas de comunicação. Ou assassinam-se jornalistas independentes. Nenhuma ditadura controla a imprensa por leis aprovadas democraticamente. A própria ditadura controla a imprensa. É exatamente o mesmo mecanismo que se vê em países ‘livres’!
Será que o juiz Levenson, que presidirá o inquérito do escândalo Murdoch terá coragem para sugerir as medidas que tornarão a imprensa britânica mais transparente ao controle social? Não, se, antes, conversar com Brian Hutton.
Lord Hutton supunha que tivesse sido chamado a presidir inquérito sobre a morte de David Kelly como juiz imparcial. Analisou as provas, ouviu as testemunhas e chegou a sentença justa. Foi quando a imprensa, que até ali o elogiara pela condução equilibrada do inquérito, não gostou da sentença. E a imprensa virou-se contra ele. Foi pessoalmente atacado, foi acusado de ter julgado movido por instinto de vingança. Depois daquele inquérito, nunca mais nenhum juiz atreveu-se a condenar ou absolver quem a imprensa não quisesse ver absolvido ou condenado.
Já houve inúmeras comissões nomeadas pela Rainha e grupos de exame da imprensa na Grã-Bretanha, mas nenhuma conseguiu alterar a equação básica. Duvido que batalhas pelo poder político possam ser decididas em inquéritos ou em relatórios de comissões de notáveis, por melhores que sejam.
Ainda que o inquérito não nos traga qualquer resposta, é possível que alguma solução apareça bem antes do que esperam os barões da imprensa. Pode vir das novas tecnologias. Na internet, o jornalismo impresso e a televisão estão-se misturando, Os jornais online são fartos de conteúdos em vídeo. Na Grã-Bretanha, as televisões online não são reguladas. O jornal BBC News online já é o jornal mais lido do país. Novas fontes de informação, híbridas, ganham cada vez mais leitores entre os mais jovens. Na medida em que cresça essa convergência, cada vez menos sentido haverá em dois sistemas de regulação.
O mais provável é que o advento do blogueiro, muito mais que alguma condenação (ou absolvição) de Murdoch, consiga pôr fim à suja mistura em que vivemos hoje, de política e barões da imprensa.
**Tradução do Coletivo Vila Vudu de tradutores
Estação Música Total
Últimas do Twitter
Arquivo
-
▼
2011
(1394)
-
▼
julho
(97)
- Karl Leite (@KarlLeite) em 1.400 caracteres
- Coluna Mercado Imobiliário
- Os atentados a Oslo e a era do preconceito
- Mauro Santayana: Os mimos da hipocrisia
- Erros de bacharéis em prova da OAB mostram desprep...
- Neísa Fernandes (@NeisaFernandes) em 1.400 caracteres
- Patrícia Carla (@profapatricia) em 1.400 caracteres
- Caso Murdoch: uma visão institucional da mídia oci...
- O livro Leitura Literária na escola Pública Potigu...
- Jussier Ramalho (@JussierRamalho) em 1.400 caracteres
- Um legado de Luta e de Amor
- Agnelo lança o livro “Carta ao Humano” 5ª feira
- Incerteza sobre dívida dos EUA eleva tensão nos me...
- Juventude Socialista do PDT fará convenção sábado ...
- Edmo Sinedino (@EdmoSinedino) em 1.400 caracteres
- Leide Franco (@LeideFranco) em 1.400 caracteres
- Disputa presidencial de 2010 foi mais acirrada ent...
- Mostra de cinema Francês começa hoje
- Base de assinantes da TV por assinatura cresceu 13...
- Rayane Guedes (@AvaGuedes) em 1.400 caracteres
- Resultado de pesquisa etnorraciais mostra que maio...
- Captações de investimento no mercado externo refle...
- Ministro britânico diz que direita americana ameaç...
- Rodrigo Brum (@Brummmmm) em 1.400 caracteres
- O Partido Trabalhista Inglês e a imprensa
- Coluna Mercado Imobiliário
- A “Marcha das Vadias” em Natal
- Edvanilson Lima Alves em 1.400 caracteres
- População deve ser consultada sobre construção de ...
- Supermercado Extra paga R$ 260 mil a criança vítim...
- Para 63,7% dos brasileiros, cor ou raça influencia...
- Betânia Carvalho (@BetaniaCarvalh) em 1.400 caract...
- O moderno reacionário é a porta de entrada do velh...
- 2 milhões entre extremamente pobres não recebem as...
- Renato Gomes Netto (@renato_natal) em 1.400 caract...
- Projeto pune discriminação contra a mulher no trab...
- Articulista pega 2 anos de prisão por racismo cont...
- Ubirajara Carratu (@bira_carratu) em 1.400 caracteres
- Luiz Lopes (@LuizLopesRN) em 1.400 caracteres
- Eliakim Araujo: O submundo do jornalismo
- Natal sedia congresso brasileiro de computação
- Dez Mandamentos para o comportamento dos políticos
- Mídia comercial só mostra a violência das favelas ...
- Ana Valeska (@aninhavaleska) em 1.400 caracteres
- Carlos Ayres Britto: homofóbico “chafurda no lama...
- 70 anos de salário mínimo no Brasil
- Bartira Seixas em 1.400 caracteres
- O poder atual da classe média para compra de imóveis
- A Rua: um misto de público e de privado?
- Rubens Lemos Filho em 1.400 caracteres
- Entrevistas no Calangotango
- A crise na educação do Rio Grande do Norte
- Historiador diz que só fim do euro salva a União E...
- Cinema revolucionário na Praça Tahrir
- Revista Cruviana será lançada hoje
- Brasil vai crescer menos do que vizinhos em 2011, ...
- Antonio Candido: “O socialismo é uma doutrina triu...
- Governo prepara ações preventivas à exploração sex...
- 67% das brasileiras se consideram estressadas
- You've Got a Friend
- Joe Cocker - With a little help from my friends
- Mais investimento em educação pode reduzir exposiç...
- Paul Krugman: EUA criam desculpas e atrasam recupe...
- O Brasil e a nova desindustrialização
- Crimes do mensalão podem ser prescritos antes do j...
- Japão lembra as vitimas da tragédia do terremoto e...
- SBPC sugere regime diferenciado para compra de equ...
- Brasil tem 300 milhões de hectares cercados, diz p...
- As sete exigências dos manifestantes egípcios na P...
- Abrir arquivos é rever história oficial da elite
- De volta às flores
- #FlashmobForaMicarla
- Como o PT enterrou o regime público nas Comunicações
- Petrobrás é a 34º empresa entre as 500 maiores do ...
- Número de usuários ativos de internet cresceu 23% ...
- Zona Norte vai discutir o Direito Humano à Cidade
- MARCCO/RN vai participar da 1ª Consocial
- Os EUA têm de pôr fim à guerra ilegal contra a Líbia
- Aumenta preocupação no exterior com saúde da econo...
- Acordo entre União Europeia e Índia pode condenar ...
- A cada minuto uma criança sofre acidente de trabal...
- Governo admite que novo aeroporto de Natal não fic...
- Água contaminada causa pelo menos 2 milhões de mor...
- Policiais em greve saem em passeata hoje
- Diálogos em Produção Cultural
- Falta de creche prejudica inserção de mulher no me...
- Quatro em cada dez mulheres já sofreram violência ...
- Ibope mostra como Kassab deixou de ser 'página em ...
- ''Enfrentamos a privatização da censura''
- A fome em um mundo rico de possibilidades
- Matemáticos acreditam que "Pi" está errado e criam...
- Mino Carta: com a tragédia da Grécia, vende-se o P...
- Aos 75, Hermeto Pascoal diz querer compor “a músic...
- 5º Circuito Cultural Ribeira
- Mídias públicas devem liderar produção de conteúdo...
- Lei que entra em vigor na segunda deve tirar milha...
- Zé Claudio Ribeiro - Matar árvores é assassinato
-
▼
julho
(97)
0 comentários: