CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

17.7.11

Sociedade, Meio Ambiente e Cidadania
Artigo da Profª. da UNP Marígia Tertuliano
A cidade suja nos chama a atenção, uma vez que, a todo o momento, o discurso do desenvolvimento sustentável-DS é relembrado, e a estranheza à situação gera questionamentos. Por quê? Talvez, o discurso do DS não esteja chegando ao cidadão comum, apesar da clareza da legislação.
Rua dos Pajeús - Foto Marígia Tertuliano
A visão do lixo, nas representações sociais, pode ser simbólica - o descartável, aquilo não presta, o repugnante, ou a do objeto material – o resíduo. Então, por que continuamos a ver práticas vexatórias por parte da sociedade e do poder público, em relação à expulsão dos resíduos sólidos dos seus domínios?
Conviver com a desigualdade não é fácil. Ver a dignidade humana sendo usurpada, com as formas subumanas de sobrevivência, além de provocar doenças no corpo e na mente, provoca o sentimento de revolta, quando vemos governantes e cidadãos imunes a essa realidade.
As ruas dos Pajeús e a da linha do trem, na Bernardo Vieira, são exemplos clássicos dessa realidade. Na primeira, o privado apropria-se do público e usa as calçadas como depósito; na segunda, o público, sem exercer com coerência o seu papel, amplia os lixões. Nos dois casos, revivi a leitura do livro “A Casa & a Rua”, do antropólogo Roberto da Matta, e percebi que este nunca esteve tão atual. Nelas, percebe-se, claramente, que há duas espécies de sujeito, o indivíduo e a pessoa, e situados em dois tipos de espaço social, a casa e a rua, naquele local.
Logo, essa luta de desiguais faz com que convivamos com absurdos, e estes se repetem, a exemplo do espaço público que se tornou depósito de resíduos sólidos, sem que os órgãos competentes tomem conhecimento, apesar de o público demandar isenção, equilíbrio e altruísmo.
Como afirma Da Matta, em casa somos “supercidadãos”; enquanto a rua - espaço público – é de todos e, ao mesmo tempo, não é de ninguém, logo, tem-se ali um espaço hostil, onde não valem as leis e os princípios éticos, a não ser sob a vigilância da autoridade. Da Matta reitera que a convivência na rua depende de uma negociação constante, entre iguais e desiguais.
É notório que o “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda, se faz presente, e a benevolência toma o lugar da aplicação das leis que ordenam o uso e ocupação do daquele espaço. Nesse sentido “somos rigorosamente subcidadãos, e não será exagerado observar que, por causa disso, nosso comportamento na rua (e nas coisas públicas que ela necessariamente encerra) é igualmente negativo. Jogamos o lixo para fora de nossa calçada, portas e janelas; não obedecemos às regras de trânsito, somos até mesmo capazes de depredar a coisa comum, utilizando aquele célebre e não analisado argumento, segundo o qual tudo que fica fora de nossa casa é um problema do governo! Na rua, a vergonha da desordem não é mais nossa, mas do Estado”.
Linha do trem - Foto Marígia Tertuliano
E, com esse pensamento, as doenças se proliferam, os cidadãos tornam-se reféns do abuso e, coniventes ou não com a situação, privam-se da dignidade do morar.
Visualizando a cena que gerou esse texto, pergunto: até quando vamos agir de forma egocêntrica, transferindo para os outros as resoluções de alguns problemas, que, em sua maioria, passam pela falta de cidadania; de entendimento da importância da alteridade; da certeza de que, no mundo globalizado, o ser tem que se sobressair ao ter?
Perceber a rua como espaço sem limites é o mesmo que querermos ser justos para os nossos, fazendo injustiça aos outros. Urge, pois, uma reflexão sobre esses atos, e isso passa pelo sentido da vida e da cidadania, para entendermos o sentido da palavra suficiente.

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