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Sávio Ximenes Hackradt

4.6.11


O Globo
LISBOA - Filiada ao Partido Socialista, Teresa Silva, 45 anos, vai votar num partido nanico no domingo. Trabalhando em meio período em telemarketing, com contrato temporário após 3 anos no desemprego, tem que dividir a casa com amigos para conseguir cobrir as contas. Nem o conselho do pai - também militante - pelo voto útil a demove.
- O PS já é de direita. Vou votar no Partido pelos Animais e pela Natureza.
A rejeição de Teresa a seu partido de coração dá o tom de um resultado que vem saindo das urnas em vários países europeus afetados pela crise e que deve se repetir amanhã em Portugal: quem está no governo paga o pato, independentemente da ideologia.
Assim como na Irlanda, a crise econômica e a consequente intervenção do FMI levarão a uma troca antecipada de governo no país, guinando a nau portuguesa para a direita.
Os social-democratas (PSD), liderados pelo economista Pedro Passos Coelho e com 36,5% das intenções de voto, devem ganhar as eleições amanhã e formar um governo de coligação com o conservador CDS. Com isso, põem fim a seis anos de mandato dos socialistas do premier José Sócrates - que têm 31,1% das intenções de voto.
Presidente e premier deverão ser da direita
Pela primeira vez desde a Revolução dos Cravos, que redemocratizou o país em 1974, Portugal vai ter o Parlamento e a Presidência comandados pela direita. O presidente Cavaco Silva, ex-premier pelo PSD, foi reeleito em janeiro com 53% dos votos.

- É o fato novo dado pela crise - destaca António Costa Pinto, professor da Universidade de Lisboa e ex-presidente da Academia Portuguesa de Ciência Política.
Sob comando alternado de PS e PSD, Portugal se endividou, mas cresceu pouco desde que o euro entrou em vigor em 2001, e vive hoje a maior crise econômica de sua história democrática. O desemprego recorde atinge 12,4% da população (no Brasil, o índice é de 6,2%), e 27,4% entre os jovens.
Um em cada cinco empregados tem, como Teresa, contratos temporários. A economia do país vai recuar 1,4% este ano e crescer 0,3% no ano que vem. Salários públicos estão sendo cortados; aposentadorias, congeladas; e impostos, elevados.
- Com as horas extras, meu salário passou do limite, e cortaram. Acabei recebendo menos - resigna-se o professor António Abreu, de 36 anos. - Na escola, com os pais desempregados, é cada vez maior o número de crianças que não têm dinheiro para algumas atividades. Não sei em quem voto, mas no PS, com certeza, não.
O país testemunha greves praticamente semanais, sobretudo no setor de transportes, e protestos tomam as ruas. Em 12 de março passado, mais de 200 mil pessoas ocuparam o centro de Lisboa, numa das maiores manifestações das últimas três décadas. Um movimento semelhante ao 15-M - que sacode a Espanha em protestos contra o sistema político - iniciou-se e, durante 12 dias, montou acampamento no Rossio, espécie de marco zero da cidade.
A derrocada do governo ocorreu quando Sócrates não conseguiu aprovar um pacote de austeridade prometido à Comissão Europeia - o quarto em menos de um ano. O presidente Cavaco Silva aceitou o pedido de demissão do premier e convocou eleições. Os juros da dívida pública dispararam e o país recorreu à ajuda do FMI e da Comissão Europeia - como fizeram Irlanda e Grécia - no valor de 78 bilhões (R$ 180 bi).
Apesar da crise, o desempenho dos socialistas é considerado surpreendente por Pedro Magalhães, cientista político da Universidade de Lisboa.
- Compare com o que aconteceu nas eleições municipais e regionais na Espanha, onde o Partido Popular, conservador, teve uma vitória histórica em todo o país (governado pelos socialistas) - diz a analista política Maritherese Frain.
Com programa austero, PSD perde eleitores até na direita
Já o PSD, com um programa mais austero, perdeu terreno inclusive entre o eleitorado da direita, avalia Carlos Jalali, cientista político da Universidade de Aveiro.
O fato de Passos Coelho nunca ter participado de governos contribui, mas ainda assim ele deverá chegar ao poder. No entanto, mesmo vencedor, o economista governará à sombra do desencanto do eleitorado, expresso por pessoas como Teresa e a estudante Inês Vieira, de 19 anos.
- Nem PS nem PSD! Vou votar em branco! Por mim, todo mundo votava em branco.

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