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Sávio Ximenes Hackradt

26.6.11


A maior crise de refugiados dos últimos 15 anos se arrasta sem perspectiva de saída próxima
Carolina Rossetti – O Estado de São Paulo
O Dia Mundial do Refugiado, na segunda-feira, coincidiu com a divulgação de números desanimadores. Neste momento, existem no mundo 43,7 milhões de pessoas expulsas de suas terras por causa de guerras civis, perseguições religiosas, étnicas, políticas ou desastres naturais. Quase metade são crianças e adolescentes. E, ao contrário do que se pensa, 80% buscam abrigo em países pobres.
É o maior pico de pessoas deslocadas dos últimos 15 anos. Desde o conflito dos Bálcãs não se via cenário tão desolador, atesta o pesquisador de imigração forçada da Universidade de Oxford, Alexander Betts. Diretor do centro de estudos Global Migration Governance Project e autor de Refugees in International Relations (Oxford University Press), Betts diz que o mundo fracassou em encontrar uma solução de longo prazo para os refugiados, pois o modelo dos campos só perpetua a situação de exílio e produz gerações inteiras que não terão chance de “florescer como seres humanos”.
O conceito de refugiado é dos anos 50 e não consegue dar conta das complexidades contemporâneas, deixando milhares num “vácuo jurídico”, ele alerta. Mas pior que isso é a atitude “histérica e desproporcional” da Europa de encarar os refugiados como ameaça à segurança nacional – uma manobra oportunista de políticos ávidos por bodes expiatórios para os seus problemas internos.
Por que número de refugiados aumentou?
Não temos um pico tão alto desde os anos 90, com a crise nos Bálcãs, quando bósnios fugiram em massa para a Europa Ocidental. A comunidade internacional tinha a visão otimista de que, quando os conflitos se resolvessem, as pessoas voltariam para casa. Só que em 2010 o número de repatriações foi o menor dos últimos 20 anos. A premissa do direito internacional é a de que a repatriação precisa ser voluntária. E isso depende de uma melhoria das condições de segurança dos países de origem. Mas temos conflitos que se arrastam por anos, sem solução à vista, como na Somália e Afeganistão – este o país de origem da maioria dos refugiados. E novas turbulências surgem, como no Sudão e Norte da África, que nem entraram no último relatório da Agência da ONU para Refugiados (Acnur).
Diante da preocupação da Europa com a onda de africanos em Lampedusa, o alto comissário da Acnur, Antonio Guterres, pede a ‘abertura das fronteiras para os que buscam proteção’.

Como resolver o impasse?
Um problema cada vez maior para a Acnur tem sido garantir a segurança de refugiados em um mundo no qual Estados fecham fronteiras e encaram refugiados como ameaça à segurança nacional. Essa é uma reação tanto de países ricos como pobres. O Quênia também tentou fechar as portas para os somalis. Só que a resposta dos europeus está sendo histérica e desproporcional. Menos de 2% das pessoas fugindo da crise Líbia cruzou o Mediterrâneo. Em escala mais geral, 80% dos refugiados do mundo estão abrigados em países em desenvolvimento. Essa reação desmesurada surge do oportunismo de políticos rápidos em culpar refugiados por problemas internos. A vasta maioria de pessoas deixando a Líbia foi alojada na fronteira com a Tunísia ou Egito, em campos precários. A melhor resposta que a Europa poderia dar seria contribuir para repartir o fardo com esses dois países, além de providenciar soluções para os migrantes temporários egípcios e subsaarianos encalhados na Líbia. Assim, refugiados não precisassem viajar grandes distâncias para obter proteção e abrigo.
Por que não conseguimos nos livrar do modelo fracassado dos campos de refugiados?
A opção campo de refugiado é uma opção política com resultados desfavoráveis, que prolonga a situação de exílio, às vezes, por 20 anos. Há uma explicação histórica para isso. Na Guerra Fria, a maior parte das pessoas teve acesso à integração, social e econômica, nos países que as acolheram. Ao longo do tempo, Estados se tornaram mais relutantes em arcar com os custos de integrar esses estrangeiros e insistiram que a única solução era a repatriação. Em conflitos sem solução à vista, como no Afeganistão ou Somália, as pessoas têm sido despejadas em campos nas fronteiras vizinhas. São 300 mil somalis no campo Dadaab, no norte do Quênia, e 1,9 milhão de afegãos no Paquistão. Nos campos, a situação é horrível, não há trabalho, a liberdade de circulação é limitada e os direitos humanos mais fundamentais são ignorados. Os campos foram desenhados para a fase emergencial, quando se tem um fluxo maciço de pessoas fugindo de um regime ditatorial e é preciso um lugar para abrigar essas pessoas por alguns dias. Mas essa gente precisa ser deslocada rapidamente para que possa se movimentar livremente, ter acesso a trabalho e a condições básicas de dignidade. A falha em fazer isso espelha um fracasso da comunidade internacional.
Há exemplos positivos para melhorar a condição dos que hoje vivem nos campos?
Existem iniciativas para integrar os refugiados às comunidades próximas ao campo para que possam ter acesso a escolas, hospitais e mercados, permitindo, assim, certo nível de autossuficiência. Eles deixam de ser apenas um fardo para os países que os acolhem e podem participar produtivamente das comunidades, como consumidores e força de trabalho. Alguns projetos pilotos na Zâmbia e Uganda, para refugiados angolanos e sudaneses, respectivamente, não foram perfeitos, mas conseguiram superar a estagnação dos campos. Essa integração é importante para que, quando eles finalmente puderem voltar para casa, sejam indivíduos autônomos, com alguma habilidade profissional e não as pessoas totalmente dependentes e enclausuradas que geralmente vemos nos campos.
Imigrantes ilegais tentam se passar por refugiados?
Sim. Muitos barcos que vemos atracar em Lampedusa não são consequência do fluxo de líbios e sim de tunisianos em migrações sazonais que aconteceriam mesmo sem o agito no Norte da África. Existe um fenômeno conhecido como “migração misturada”, quando imigrantes ilegais e refugiados usam as mesmas rotas para chegar a um país, são vítimas das mesmas redes de contrabando e são tratadas da mesma maneira pelas políticas imigratórias dos países de destino. Fica difícil para a Acnur identificar quem, no meio dessa gente toda, precisa de proteção internacional. Um problema atrelado a isso é que a definição de refugiado data dos anos 50 e precisa ser atualizada. Oficialmente, o termo abarca um grupo específico de pessoas fugindo de perseguição política. Os que saem de seus países por causa de violação de direitos humanos, desastres naturais ou Estados falidos estão, em tese, fora dessa definição. Ao longo de seus 60 anos a Acnur foi se responsabilizando por um contingente maior de pessoas que não são refugiadas, mas o que se chama de “populações que preocupam”. Nesse grupo estão os que fogem de situações desesperadoras no Zimbábue ou Iraque e também os que foram forçados a deixar suas casas devido a desastres naturais, mas ainda não cruzaram uma fronteira internacional. Não se sabe bem qual o papel da ONU nesses casos, é um vácuo jurídico. Essa é a agenda mais importante na Acnur hoje.

O Afeganistão é de onde sai a maior parte dos refugiados. Com a retirada das tropas americanas, os 3 milhões de afegãos que deixaram o país voltariam para casa?
Os afegãos são refugiados históricos, seu êxodo remonta ao contexto da guerra contra os soviéticos. Muitos afegãos no Paquistão e no Irã têm ido e vindo pela fronteira com esses dois países, levando recursos para familiares que permanecem no Afeganistão. Em alguns momentos, houve ciclos de repatriação. Mas, em muitos casos, eles continuaram a se movimentar de lá para cá pelas fronteiras, não só em resposta a um agravamento da situação de segurança, com a intervenção americana iniciada em 2001, mas porque eventualmente tiveram alguma oportunidade econômica e puderam obter subsistência em outro país. Essa é uma situação particularmente instável e, sobretudo, imprevisível.
Muamar Kadafi é acusado de forçar líbios a embarcarem para a Europa como forma de pressionar pelo fim da intervenção da Otan. O medo de refugiados pode ser arma política?
Refugiados são, com frequência, forçados a deixar seus países como um arma de política externa de regimes autoritários. Idi Amin, em Uganda, fez isso. O mesmo aconteceu em Ruanda e na República Democrática do Congo. E Kadafi não é um novato na estratégia de usar movimentos populacionais com propósitos políticos. Quando tinha boas relações com a Itália, ele, muito estrategicamente, reconheceu a preocupação europeia com a migração e iniciou um acordo bilateral com o governo italiano para tirar os imigrantes ilegais da África subsaariana que desembarcavam na Itália e os levar de volta para território líbio, em troca de concessões comerciais no setor petrolífero.
A Síria abriga iraquianos fugidos da guerra de 2001. Agora, são os sírios que vão para a Turquia, num efeito dominó que se estende pela região. Onde isso vai parar?
Não é incomum que países que abriguem refugiados se tornem produtores de refugiados. Mesmo o Zimbábue, de onde 2 milhões fugiram, abriga hoje milhares de congoleses. Iranianos têm deixado seu país, que acolhe iraquianos e afegãos. A situação da Síria é nova. Até recentemente era um país estável. As dinâmicas de migração forçada que estão ocorrendo no Oriente Médio e Norte da África poderão ter implicações além de humanitárias. Esses intensos movimentos populacionais por todos os lados das fronteiras poderão trazer implicações para a segurança regional se houver atritos de cunho religiosos ou étnico entre as populações deslocadas e as comunidades que as acolheram.
Quase 47% dos refugiados têm menos de 18 anos. O que se pode fazer por essa geração?
A coisa mais impactante quando se visita um campo de refugiados é a juventude das pessoas. Muitas nasceram nesses campos e nunca conheceram outra vida. Um dos aspectos mais trágicos das situações de refúgio prolongado é a falta de oportunidade e a desesperança dos jovens. Geralmente, só a educação primária é providenciada, de baixa qualidade e com infraestrutura precária. É a anulação total de pessoas potencialmente inteligentes. Estive num campo em Djibuti com refugiados somalis e conversei com um refugiado que estava lá desde 1989. Ele assumiu o papel informal de professor de segundo grau. Arranjou duas lousas e dava aulas para jovens de 11 a 18 anos. O que ele me disse eu nunca esqueci: “Pessoas não podem viver só de comida e água. Esperança é que nos mantém vivos”. E sua ambição era apenas essa, que seus alunos tivessem a esperança, que ele nunca teve, de um dia ser outra coisa na vida que não somente um refugiado.
Qual o papel do Brasil nesse cenário?
Além de receber refugiados colombianos e haitianos em seu território e fazer doações à causa, o Brasil tem crescido como ator político capaz de dialogar tanto com os países ricos, que financiam os campos de refugiados, quanto com os pobres, que abrigam essas populações. O Brasil tem o dom da moderação e pode vir a ser uma voz de razão no fórum internacional, uma influência positiva para identificar soluções inventivas que evoluam para além dos campos.

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