CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

14.11.11


É desta forma que o euro chega ao fim. Sem estardalhaço. Não faz muito tempo que os líderes europeus estavam insistindo que a Grécia poderia e deveria permanecer na zona do euro e pagar integralmente as suas dívidas. Agora, quando a Itália cai de um despenhadeiro, é difícil enxergar como a moeda comum europeia poderá sobreviver.
Por Paul Krugman*
Mas qual é o significado desta confusão em torno do euro? Como sempre acontece quando há um desastre, os ideólogos se apressam em dizer que a catástrofe demonstra que eles estavam certos. Portanto, é hora de começar a desmascarar tais indivíduos.
Comecemos pelo princípio. A tentativa de criar uma moeda comum europeia era uma dessas ideias que transcendia as tradicionais fronteiras ideológicas. A ideia foi recebida com alegria pela direita norte-americana, que viu nela a melhor coisa após um retorno do padrão ouro, e também pela esquerda britânica, que a considerou um passo rumo a uma Europa social-democrata. Mas ela foi questionada pelos liberais norte-americanos, que preocupavam-se – corretamente, diria eu – com o que ocorreria caso os países europeus não pudessem utilizar políticas monetárias e fiscais para combater recessões.
Sendo assim, agora que o projeto euro está indo a pique, que lições pode-se tirar disso?
Eu tenho ouvido duas alegações, ambas falsas. Que as aflições da Europa refletem o fracasso dos Estados de bem-estar social em geral, e que a crise europeia demonstra que a austeridade fiscal precisa ser aplicada imediatamente nos Estados Unidos.
A afirmação de que a crise da Europa prova que o Estado de bem-estar social não funciona é feita por muitos republicanos. Por exemplo, Mitt Romney acusou o presidente Barack Obama de encontrar a sua inspiração nos “democratas socialistas” europeus e declarou que “a Europa não está funcionando na Europa”. O argumento, ao que parece, é que os países em crise encontram-se em apuros por estarem sendo esmagados pelo peso dos altos gastos governamentais. Mas os fatos indicam outra coisa.

É verdade que todos os países europeus são caracterizados por benefícios sociais mais generosos – incluindo sistema de saúde universal – e gastos governamentais mais elevados do que os que são presenciados nos Estados Unidos. Mas as nações que neste momento se encontram em crise não possuem sistemas de previdência social maiores do que os países que estão indo bem. Na verdade, a correlação poderia ser até mesmo oposta. A Suécia, com os seus benefícios sociais notoriamente elevados, apresenta um desempenho excelente, sendo um dos poucos países cujo produto interno bruto é atualmente maior do que era antes da crise. Além do mais, antes da crise, “os gastos sociais” com programas de bem-estar social como percentagem do produto interno bruto em todas as nações que atualmente enfrentam problemas eram menores do que não apenas na Suécia, mas até mesmo na Alemanha.
E há também o caso do Canadá, que possui um sistema universal de saúde e que oferece auxílios aos pobres bem mais generosos do que os oferecidos pelos Estados Unidos, e que tem suportado a crise de uma maneira melhor do que nós.
Portanto, a crise do euro não nos diz nada a respeito da sustentabilidade do Estado de bem-estar social. Mas será que ela comprova que é necessário apertar o cinto em uma economia deprimida?
É isso o que nós ouvimos a todo momento: que os Estados Unidos deveriam cortar os seus gastos imediatamente para não acabarem como a Grécia ou a Itália. Novamente, porém, os fatos contam uma história diferente.
Primeiro, quem der uma olhada pelo mundo verá que o grande fator determinante das taxas de juros não é o nível de dívida governamental, mas o fato de o governo de um determinado país contrair empréstimos em sua própria moeda ou em moeda estrangeira. O Japão encontra-se muito mais endividado do que a Itália, mas a taxa de juros de longo prazo dos títulos japoneses é de apenas 1%, enquanto que a da Itália é de 7%. As perspectivas fiscais do Reino Unido parecem ser piores do que as da Espanha, mas os britânicos podem tomar dinheiro emprestado a juros apenas um pouco acima de 2%, enquanto que a Espanha está pagando quase 6% de juros.
Ou seja, o que aconteceu foi que, ao adotarem o euro, a Espanha e a Itália efetivamente reduziram-se à condição de países do Terceiro Mundo que precisam tomar dinheiro emprestado em moeda estrangeira, com toda a perda de flexibilidade provocada por isso. E um problema especial é que, como os países da zona do euro não podem imprimir dinheiro nem mesmo durante emergências, eles estão sujeitos a problemas de financiamento de uma maneira que as nações que mantiveram as suas próprias moedas não estão – e o resultado é isso que estamos vendo neste momento. Os Estados Unidos, que contraem empréstimos em dólares, não têm esse problema.
A outra coisa que é necessário ter em vista é que, diante da atual crise, a austeridade financeira tem se revelado um fracasso em todos os lugares onde ela foi aplicada. Nenhum país que tem dívidas significativas conseguiu recuperar a simpatia dos mercados financeiros. Por exemplo, a Irlanda é o “bom menino” da Europa, tendo respondido aos seus problemas de dívida com uma austeridade selvagem que jogou o índice de desemprego para 14%. Mas a taxa de juros sobre os títulos irlandeses ainda continuam acima dos 8% - o que é pior do que o índice da Itália.
Sendo assim, a moral da história é que é preciso ter cuidado com os ideólogos que estão tentando usar a crise europeia para promover as suas próprias agendas e mitos. Se dermos ouvidos a esses ideólogos, nós só acabaremos fazendo com que os nossos próprios problemas – que são diferentes daqueles da Europa, mas igualmente graves – tornem-se ainda piores.

*Fonte: The New York Times, tradução UOL

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