O mundo observa atentamente o encontro bilateral Estados Unidos-China. Por um motivo singelo: se as coisas em ambos andarem bem, o mundo andará bem. O oposto também é verdadeiro.
O século 20 assistiu à substituição da hegemonia britânica pela estadunidense. Junto veio a Guerra Fria. Quando acabou, houve a ilusão momentânea de um mundo perenemente unipolar.
Houve também a ilusão da multipolaridade. Os fatos da vida agora desenham a reconstrução da bipolaridade, com a China ocupando o lugar que a União Soviética manteve na maior parte da segunda metade do século passado.
Mais uma ironia da História. O grande cisma sino-soviético a partir dos anos 1950 foi também explicado pelas diferenças quanto à “competição pacífica” entre capitalismo e socialismo, proposta pelos sucessores de Josef Stalin. Estratégia que a China de Mao Tsetung desprezava como revisionista.
Hoje é a China dos herdeiros de Mao (a foto dele continua a comandar a Praça da Paz Celestial) quem desenha o caminho nacional com base exatamente na tal competição pacífica.
Por um motivo: com a população que tem, se a China fizer tudo certo bastará esperar pelo dia de assumir a pole-position.
Aos olhos do Ocidente, a China tem atenuantes em relação à antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Seu processo parece ser essencialmente nacional, não se observam maiores movimentos de Pequim para exportar o modelo. E os chineses estão na Ásia, longe da Europa. Além de falarem chinês, ou mandarim.
Um processo de transição em paz da unipolaridade para a nova bipolaridade política parece bastante possível. Na economia já é fato.
Os Estados Unidos querem o acesso de seus produtos de bom valor agregado ao mercado chinês. Agora que a China já está plenamente industrializada há terreno de negociação.
Os chineses desejam segurança para os roteiros e fontes das matérias primas e produtos agrícolas e também a garantia de respeito a sua integridade nacional (Taiwan, Tibet). Nada que não possa ser calmamente resolvido. Hong Kong não foi?
Em Washington há desconfianças no tema militar, pelos gastos crescentes dos chineses na rubrica. Mas por qualquer critério eles estão ainda anos-luz atrás do que gastam os americanos.
O fio condutor das hegemonias planetárias nos últimos duzentos anos tem sido a industrialização. Ela é a expressão moderna da capacidade de inovar. Portugal e Espanha empreenderam os descobrimentos, mas a hegemonia restou para o Reino Unido. Depois vieram os Estados Unidos, a URSS e agora a China. Os três fizeram da industrialização o motor.
Até por não haver como avançar na ciência e na tecnologia, inclusive a militar, sem apoiar-se fortemente na indústria. E sem fazer da industrialização uma cultura. E um dínamo para a educação.
E nós? Infelizmente, a ascensão da centro-esquerda e da esquerda ao poder não rompeu com as deformações de uma economia subalterna, essencialmente produtora e exportadora de matérias primas. Em vez de poupança interna e industrialização, preferimos a comodidade de viver à custa do esforço e do sacrifício alheios, inclusive para manter nosso arremedo de estado de bem-estar social.
No governo, a esquerda brasileira reciclou a ideologia da subalternidade, enquanto se entretém falando mal das elites que governaram o Brasil nos últimos cinco séculos.
E a subalternidade vem maquiada com tinturas ultramodernas, como o suposto antagonismo entre industrialização e responsabilidade ambiental. Mas sob a maquiagem é só o arcaico agrarismo.
Viver da exportação de primários -ou semi- para os Estados Unidos era colonial. Já fazer o mesmo para a China é apresentado como sinônimo de afirmação nacional soberana.
O antecessor de Dilma Rousseff não estava errado ao ambicionar um papel protagonista para o Brasil. O problema é que esse protagonismo não se alcança apenas com discursos bonitos em duvidosos fóruns multilaterais, ou com uma diplomacia de viés presidencial. Ou com tentativas de colocar a qualquer custo em pé todos os ovos.
Quem quer ser potência tem que correr atrás, tem que poupar, industrializar-se, depender essencialmente de si próprio. E não se meter a dar lições para a humanidade enquanto vive do dinheiro alheio.
Nem se satisfazer com o elogio interessado de quem vem aqui apenas para ganhar muito dinheiro rapidamente e cair fora com ele depois.
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