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Sávio Ximenes Hackradt

19.12.10

Nelson Rodrigues era dado a ambivalências, jogos cognitivos binários. Descrevia-se como menino a espiar o amor pelo buraco da fechadura, mas exortava os jovens a envelhecer. No teatro, oscilava entre amor e ódio, atração e repulsa, universo interior e máscara social.

Às vésperas do aniversário de 30 anos de sua morte (em 21/12), a pergunta é se ele não está enredado em outro paradoxo, à própria revelia. Que o teatro rodriguiano fixou um patamar de excelência para a literatura dramática brasileira, não há dúvida. Resta saber se, justamente pela estatura de sua obra, o dramaturgo pode ter, em alguma medida, projetado uma sombra sobre a produção nacional subsequente.

As reverberações, sempre em termos hipotéticos, seriam uma intimidação simbólica sobre o trabalho de escribas (sobretudo os mais jovens) e o condicionamento da imprensa especializada a adotar critérios de apreciação rígidos demais, um pouco injustos, depois de ver as criações de Nelson.

A crítica de teatro do jornal "O Globo", Barbara Heliodora, analisa o suposto "fardo": "É terrível. Foi o que aconteceu com o Gianfrancesco Guarnieri. Quem começa com 'Eles Não Usam Black-Tie' passa o resto da vida apanhando. Nelson fez isso com a dramaturgia brasileira. Vislumbrou-se ali onde o nosso teatro poderia chegar".

Mas ela faz uma ressalva. "O ano que acaba traz, pelo menos no Rio, uma melhoria no nível da dramaturgia nacional. Está aparecendo um teatro que não precisa pedir desculpas. Cada um aos poucos encontra um caminho."

Já a crítica de teatro da Folha Christiane Riera, que fez um mestrado sobre as peças míticas do autor, prefere tom mais moderado. "Acho difícil encontrar hoje quem se sinta inibido pelo Nelson, até porque ele já foi muito reconhecido", diz.

"Certamente é mais difícil lidar com os gêneros e ambientes em que ele circulou, como o melodrama com sátira social forte que tem a classe média como cenário. Aí há um risco de ser tachado de 'sub-Nelson Rodrigues'. Daí ele não ter seguidores, como teve Plínio Marcos.

CÂNONE

Riera localiza nos anos 80 e começo dos 90 um certo "deslumbramento" com Nelson, mais tarde superado. Nesse período, o escritor experimentou uma reabilitação póstuma depois de uma fase de enfado com a crítica e dedicação maior ao jornalismo, no fim da vida.

O diretor carioca Marco Antonio Braz, que encenou "Valsa nº6", "Perdoa-me por me Traíres" e "Boca de Ouro", entre outros textos rodriguianos, observa que a "intimidação" exercida por Nelson sobre colegas de dramaturgia, se existe, é resultado do ingresso dele no cânone das artes cênicas do país.

"Mas é preciso lembrar que a grande força dele é libertária", frisa. "Há certas coisas que só são possíveis em textos hoje porque Nelson atingiu uma liberdade de linguagem inédita, um coloquialismo rebuscado."

Já o pernambucano Antonio Cadengue, outro veterano à frente de montagens de obras do escritor, avalia que "se é que ele sufoca o teatro brasileiro, é porque a maneira como toca pontos filosóficos e morais está em sintonia com os grandes dramaturgos universais".

Mas logo contemporiza. "Ele não abafa ninguém. Na verdade, é como um balão de ar para quem quiser ir lá pegar um pouco de ar."

O diretor Eduardo Tolentino, que assinou encenações de "Vestido de Noiva" e "Viúva, porém Honesta", não acha que o padrão estabelecido pelo teatro de Nelson "seja tão elevado assim".

Para ele, ventos históricos sopraram contra o amadurecimento da escrita dramática no Brasil. "Havia, nos anos 60, uma dramaturgia média que poderia ter se desenvolvido. Se não fosse a ditadura, as décadas seguintes poderiam ter visto surgir outra figura exponencial."

Lucas Neves Folha de São Paulo - Ilustrada

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