CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

21.1.13


Foi no ano de 1997. Eu já sabia o que queria ser na vida. Faltava muito para chegar lá, e aos poucos eu ia caminhando a linha da realização dos sonhos. Entre trezentos outros conselhos, tinha um que minha mãe sempre dizia e meu pai reforçava: “basta você fazer um curso de datilografia para “estar feita na vida””.

Por Leide Franco (@LeideFranco)

Fui lá e fiz. Terças e quintas-feiras, das 9h às 11h30. Seis meses de curso intenso. Nunca vou me esquecer do barulho das teclas; do cuidado para não errar na hora de digitar e, com o erro, ter que jogar a página fora e começar tudo de novo. Cada toque valia tempo. Para ser bom, era preciso pelo menos uns 140 toques por minuto.


No final, vi, com o diploma na mão, o computador engolir aquelas máquinas de escrever uma a uma, com uma fome de inovação e promessas de um futuro tudo mais prático e rápido. E é. As previsões apocalípticas de que não haveria mais trabalho para o homem, tendo em vista que o computador faria tudo por eles, ainda não vi concretizada. Felizmente o computador ainda não faz tudo sozinho.


Naquele tempo, era como se essa super tecnologia tivesse apenas copiado a sequência de letras do teclado duro da máquina de escrever e jogado o resto fora. Tudo novo. Podemos teclar sem medo de errar, sem precisar ajustar o papel no cilindro para que o texto não fique torto; muito menos contar os espaços antes de digitar até o final da linha, pois o hífen, em nome da boa gramática, tinha que separar perfeitamente a palavra no final da margem, quando esta não cabia na mesma linha e era preciso dar o que a gente chama hoje de “enter”. Ah, essa nostalgia...

Enfim, a única coisa realmente útil daquele curso de datilógrafa foi a habilidade de digitar sem olhar para o teclado, diferença que, modestamente, faz eu me sentir o máximo. Naquele tempo, as máquinas dos melhores cursos, não vinham com letras “impressas” nas teclas. Tudo era baseado na técnica e habilidade. Cada dedo era responsável por um grupo de letras. Assim era. Assim é até hoje para um bom digitador.

Depois do diploma [inútil] de datilógrafa, era a vez de correr em busca do de operadora de micro computador, já que era aquele pedaço de papel e o domínio dos programas de computador (Word, Excel e Power Point) que garantiriam o “estar feita na vida”.

Inscrevi-me em um desses cursos que prometiam revolucionar a vida de qualquer estudante que estava à procura de emprego. Seis meses também. Seis meses de um curso tão básico, digno de fazer vergonha em qualquer criança de dez anos – essas da geração hoje.

De duas uma: ou nós estamos caminhando devagar demais ou as coisas evoluem um tanto depressa. Acho que os dois. E mais: estamos sempre aprendendo pela metade ou menos. Um software que você aprendeu a usar míseros 10% de toda sua funcionalidade, ganha amanhã uma nova versão, que você também não vai conseguir utilizar tudo que ele oferece. De quem é a pressa?

Deveras, vi que o curso de datilografia e de computação não seriam mesmo suficientes para eu “estar feita na vida”. Obviamente fiquei com pressa de terminar o Ensino Médio para poder fazer uma graduação. Fui lá. Cursinho preparatório e aprovação no vestibular da UFRN. Quatros anos e pouquinho depois, merecidamente, recebo o canudo. Perfeito, mas não! O que é apenas uma graduação? É só uma graduação, como tantas outras. E o mercado não perdoa os “despreparados”, assim pregam os bons empregadores.

É preciso fazer outra graduação afim ou especialização e/0u mestrado, doutorado e tudo que for interessante para o currículo de alguém que quer “estar feito na vida”. A não ser que, antes, você consiga passar em um concurso público, no qual vai proporcionar estabilidade financeira: esse é o lema principal. O problema se instala quando você consegue entrar na realização do grande sonho e lá descobre que, bem... “não era isso que eu queria para minha vida”, e então tenta outra profissão.


Penso, às vezes... Bem às vezes, que a ignorância é uma bênção. Muita gente que não sabe que precisa de tanto e que pode ter mais, muito mais, vive feliz com o que tem. Essa autocobrança para conquistar além do que temos e ser o melhor sempre não deve fazer bem à saúde, principalmente quando a maior preocupação nessa busca é o fator financeiro, é o “estar feito na vida”, pois nem sempre o conhecimento é a base para tantos esforços. E quando é, será que realmente conhecemos o que pensamos conhecer?

“E se dinheiro não existisse?” “O que você gostaria de fazer?” É o que pergunta este vídeo, que não quer dar resposta nenhuma, além de fazer refletir sobre o que realmente gostamos de fazer. Especialista, mestre, doutor é aquele que faz o que gosta, e por gostar, é o melhor no que faz, e por consequência, recebe dinheiro por isso.

E eu? Ah, eu... Eu seria escritora se isso pagasse minhas contas, mas como não paga, eu escrevo mesmo assim, até porque escrever é fácil: começa-se com uma letra maiúscula; termina com um ponto final e no meio é só por as ideias, já disse o velho poeta Neruda. É Simples. Mas não.

Eu escrevo porque é livre e possível. Reúne duas alegrias: falar sozinho e falar a uma multidão, mesmo que seja pequena.

Enquanto escrevo, por não ter nenhuma outra forma que garanta minha salvação diária; eu trabalho, estudo sempre, tento aprender a mexer em softwares que nunca pensei em precisar usar, pois hoje se eu não soubesse usá-los estaria atrás de muita gente – e isso, nesses nossos tempos, é quase inadmissível, afinal eu tenho que saber sempre mais. Até que tem servido.

Os profissionais que se garantem hoje, não só precisam e devem saber escrever o português simples, direto; também têm que dominar outros idiomas, escrever em outros códigos: o HTML (pelo menos) e entender de tudo que rodeia a Tecnologia da Informação e suas novidades só para não ficar ultrapassado, já que assim estamos diariamente, é só acordar.

Homo conectus


Não podemos esquecer-nos de explorar bem o nosso lado ou a parte total, talvez, do “homo conectus” que nos habita para sempre. Redes sociais pelo PC – ah, desculpe, esse termo PC está ficando ultrapassado, quase ninguém mais compra essa tecnologia que era avançadíssima. A vez é dos iMacs ultrafinos e logicamente dos mobiles. Precisamos estar conectados para garantir que estejamos bem informados e em contato com os amigos. O que é informação? Quem são os nossos amigos no Twitter, facebook?

E enquanto tudo isso vem, vai, fica, se moderniza e ultrapassa, eu vou me preparando para “estar feita na vida”, se é que um dia eu viverei essa sensação de preenchimento. Vou até que o Lattes não tenha mais espaço para cursos, palestras, títulos... Até quando não tiver mais o que fazer para ser capacitada o bastante e decretar, definitivamente, encerrada a procura desenfreada por conhecimento, só por achar que ainda não estou feita na vida.

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