17.12.12
Postado por
Sávio Hackradt
Por Leide Franco (@LeideFranco)
Era uma vez uma cidade onde cada pessoa
vivia por si e só. Certo dia, um locutor de rádio, líder em audiência na
emissora mais ouvida daquele lugar, resolveu abrir o microfone para pedir um
favor: “alô, você que está me ouvindo agora! Faça-me um favor: olhe ao seu
redor, para seu lado, e independente de quem você esteja vendo, por favor,
sorria para essa pessoa. Sorria! Só isso: um sorriso”.
De repente, todo mundo se pegou sorrindo
para o outro sem nenhum motivo específico. Sorrir por sorrir porque faz bem.
Era nas ruas, dentro dos carros – os motoristas baixavam os vidros olhando para
o outro e sorria, sorria... E naqueles sorrisos todos se entendiam.
Essa história que acabei de contar é uma
ficção até digna de filme de curtíssima metragem, tipo comercial de creme
dental, mas apropriada, pronta para se aplicar na prática.
As duas próximas histórias que vou contar
são reais, aconteceram comigo. Eu não sou uma pessoa simpática, de repente eu
acho que seja mais ‘introvertude’ que antipatia. Tenho um bloqueio que
dificulta a aproximação de estranhos. Não sou do mundo das crianças que no
primeiro encontro tornam-se amigos eternos. Elas são felizes, eu sei!
Intimamente, confesso, eu preciso de tempo - de algum tempo para cultivar
simpatia por outras pessoas... é como ir amaciando o coração, abrindo aos
poucos a porta que deixa o novo entrar, mas nem sempre é assim. Para algumas
pessoas eu dispenso a minha amizade à primeira vista. Isso é fatal.
Quero te dizer um segredo. Confesso.
Deixo de falar com algumas pessoas por pura opção. Sabe aquela história do faz
de conta que aquela pessoa não existe por uma questão de sobrevivência dos seus
valores e amores próprios? Pois bem. Quem não acrescenta, geralmente subtrai.
De gente que suga as energias positivas, quase ninguém precisa.
Na mesma rua que moro, tem uma moça que
“conheço” desde antes de ela aprender a andar. A nossa intimidade se resume a
fingir que não existimos e não é um faz de conta. Passamos de vez em quando uma
pela outra como duas cegas que não se enxergam. Talvez ela faça questão de não
falar comigo, e eu obedeço. Outro dia, ela me encontrou no Facebook. Olhei
aquele pedido de amizade por alguns minutos e disse a mim mesma: “Aqui ela me
enxerga. Interessante!” A minha indiferença para aquele “pedido de amizade” foi
o mesmo que passar por ela na rua, ficou pendente, sem ânimo para falar.
Dias depois eu fui fazer uma “faxina”
nessa mesma rede social. Incrível como por lá temos “amigos” que nunca disseram
um “oi”, tal como se encontrar no meio da rua e fingir que não viu. Fui ver os
pedidos de amizades solicitadas. Amizades solicitadas? Que estranho, não?! Bem,
ela estava lá. Parei novamente para aquele pedido e bem fundo pensei me
perguntando: por que não dar uma chance? Aceitei-a e ainda deixei inbox um “Oi J”, assim com a
carinha sorrindo, coisa que fora dessa caixa, nunca aconteceu.
No dia seguinte ela respondeu com outra
carinha: J. Eu respondi com outra. E aí se
desmanchou o gelo de anos, virou um sorriso líquido, embora virtual, mas já é uma
vitória. Ainda não a encontrei na rua depois desses dias. Acredito que o
sorriso, pelo menos, irá transportar a barreira da liquidez e virtualidade, vai
sair daquela coisa louca que é não querer enxergar o que está a um metro do
nosso nariz.
A segunda história aconteceu na tarde da
última terça-feira, dia 11. Fui à Rodoviária pagar uma conta nas Casas
Lotéricas, o sistema estava offline. Na mesma hora lembrei que na agência dos
Correios aceitava o pagamento da conta que eu precisava efetuar. Tristemente vi
que a fila dava voltas. Todas as pessoas tiveram a mesma ideia que eu. Não
tinha outro jeito, tive que encarar a fila quilométrica. Resistência nas pernas
e tolerância para aguentar as pessoas falando alto - todas ao mesmo. A perda de
tempo e a falta de paciência eram amenizadas pelos fones nos ouvidos: música
alta.
Depois de uns quarenta minutos na fila
quase inerte, sinto uma mão tocando meu ombro direito. Surpresa vi que era a
filha da dona da academia de ginástica que frequento há quatro anos. Era a moça
que nesse tempo todo nunca dirigiu uma palavra a mim. Devo ser mesmo uma pessoa
difícil, mas talvez não, isso acontece com quase todas as outras pessoas que
estão ali na condição de alunos na academia da mãe dela.
Arranquei os fones dos ouvidos para
ouvi-la. Tímida, ela disse perguntando: “será que você pode pagar esse boleto
por mim? Estou há várias horas na fila da Lotérica e o sistema ainda não
“voltou””. Respondi que se as pessoas que estavam depois de mim não se
importassem, eu pagaria sem problemas. A pessoa de trás mexeu positivamente a
cabeça. Peguei o boleto das mãos dela, o dinheiro e continuei na fila. Ela
disse que ficaria me esperando no andar de baixo.
Muito tempo depois chegou minha vez.
Paguei e desci. Quando fui entregar o comprovante de pagamento e o troco, ela
me olhou e perguntou como era meu nome. Falei, e quando eu já estava saindo,
perguntei cismada por que ela queria saber meu nome. Ela disse: “não... é
porque eu vou dar baixa na sua mensalidade da academia”. Sem nem pensar no
valor do “presente”, respondi que não precisava, afinal eu já estava na fila
mesmo e não tinha sido trabalho algum pagar a conta dela. Ela sorriu e disse
obrigada.
Nos dez minutos seguintes que gastei
andando da rodoviária até minha casa, indaguei calada: Quanto custa um favor? Existe
moeda de troca para favor? Não, não existe, concluí. Favor não se paga. Favor
não é produto, serviço, ferramenta. Favor é favor. Favor se paga com um sorriso
e um obrigado. O que paga suficientemente com direito a troco: outro sorriso.
A partir desse dia, continuamos sendo
estranhas, mas íntimas o suficiente para sorrir uma para outra quando nos
encontramos. Nunca vou esquecer. Favor vale sorrisos - duas necessidades
gratuitas em ambulância na nossa natureza.
Com esses dois simples exemplos, vou
então lutar para quebrar as barreiras que impendem um “oi, tudo bem?” no meio
da rua. Vou também cultivar sorrisos mútuos gratuitos que falam mais que mil
palavras. Vou tentar parar de fingir que não enxergo, mesmo vendo. E enfim, vamos
parar de passar por cima daquela coisa invisível que a gente vê. Vamos ver!
Estação Música Total
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