18.11.12
Postado por
Sávio Hackradt
Os Analectos, obra-chave do
pensamento oriental ganha tradução inédita em português. Pela primeira vez os
aforismos atribuídos a Confúcio são traduzidos diretamente do chinês arcaico
para o português.
Por Henrique Kugler
“E o mestre disse: ‘não sabe o que é a vida, como saber o que é a morte?’". Leitores ocidentais nem sempre serão tocados pela simplicidade crua, talvez insólita, dos aforismos do Oriente distante. Por certo há um estranhamento, choque entre duas culturas. É razoável dizer que, para nós, brasileiros, a filosofia chinesa é um horizonte intelectual deveras longínquo.
Mas uma inédita tradução de Os
Analectos, obra emblemática do pensamento chinês atribuída a Confúcio (551-479
a.C.), aproxima os leitores lusófonos dos modos de ser e pensar inerentes à
tradição que floresceu do outro lado do mundo.
É a primeira edição, em português,
traduzida diretamente do chinês arcaico. Os méritos do trabalho são do
diplomata brasileiro Giorgio Sinedino, da Embaixada do Brasil em Beijing.
Foram sete anos de estudo e
vivência na sociedade chinesa. Consultas minuciosas à vasta literatura
especializada, orientação de acadêmicos reputados no tema, além do auxílio de
‘mestres’ – no sentido tradicional do termo –, permitiram a Sinedino elaborar
uma obra de fôlego.
Aos curiosos pela sabedoria
chinesa, o livro é ótima introdução aos preceitos seminais do Oriente. E, aos
que se aventuram em interpretações mais refinadas, a obra resgata aforismos
originais de Confúcio grafados em complexos e belíssimos ideogramas – fazendo
da publicação da Editora Unesp, com suas 608 páginas, um material tanto de estudo
quanto de contemplação.
Sobre esteiras de bambu e toalhas de seda
A obra contém 20 capítulos,
divididos originalmente em dez rolos – à época, os livros chineses eram
escritos em toalhas de seda ou esteiras de bambu. “O texto não possui uma
unidade rígida, pois normalmente não é essa a forma como as obras antigas na
China eram pensadas”, explica o tradutor. Os chineses o leem aleatoriamente –
são aforismos. Ao mesmo tempo em que revelam uma simplicidade absolutamente
sintética, podem sugerir interpretações quase impenetráveis.
“O mestre disse: ‘A virtude não é
solitária, sempre há de ter vizinhos’”. “O mestre disse: ‘Cada um dos erros que
as pessoas cometem pertence a um gênero. Ao observar os erros [das pessoas] é
possível saber o que é a Humanidade’”. “O mestre disse: ‘Se me emprestassem
mais alguns anos e eu pudesse estudar as Mutações até meus últimos dias, eu
poderia [deixar de cometer] grandes erros’”. Esses são alguns exemplos
aleatórios que o leitor encontrará ao folhear o livro.
Confúcio é personagem central na
cultura chinesa, qualificado como pensador, estadista e educador. Os
Analectos refletem, justamente, essas três dimensões ao transmitir
preceitos de filosofia, política e educação. Todas elas são alinhadas à ideia
de um Dao, isto é, uma senda ou caminho. Segundo o filósofo Zhu Xi (1130-1200),
um dos principais comentadores do confucianismo, Os Analectos serviriam
para a preparação do indivíduo no caminho para se tornar um sábio e governar a
sociedade.
"Num plano mais profundo, Os
Analectos nos permitem conhecer e entender a mentalidade chinesa”, comenta
Sinedino. “Nessa obra vemos por que são tão caras aos chineses questões como
tradição, valores familiares, autoridade, hierarquia, respeito ao estudo e apego
aos símbolos de poder”, diz.
O legado de Confúcio, segundo os
estudiosos, fundamentou a vida política do povo chinês por 2.500 anos.
Atualmente, embora Os Analectos ainda sejam lidos e decorados pelos
chineses, a influência mais profunda do texto está na forma como a sociedade
chinesa se organiza, e mesmo nas instituições políticas, “de maneira que é
impossível compreender a China sem um conhecimento sólido do que está nesta
obra”.
Filosofia e intuição
A China teve um desenvolvimento
intelectual afastado de influências ocidentais até o século 17. “O pensamento
chinês não parece ser orientado pela razão (o logos, tão caro aos gregos), mas
sim por uma forma peculiar de reflexão que alia intelecto e sentimento, o que
poderíamos chamar de insight”, explica Sinedino.
Ele diz que, muitas vezes, a
leitura não é voltada a um entendimento sistemático do que se lê. Na verdade,
ela visa o despertar da intuição individual, algo muito peculiar à cultura
chinesa. “Não existia a expectativa de que o pensador chinês defendesse
discursivamente suas ideias, apresentando razões dialeticamente”, escreve o
diplomata. Exatamente por isso, o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel
(1770-1831) criticou Os Analectos por sua “simplicidade” e “falta de
profundidade”.
“De fato, veremos que a maior parte das passagens é crua e direta, frequentemente parecendo ser pouco mais que um truísmo”, aponta Sinedino. “A crítica de Hegel desvela diferenças significativas que existem entre o pensamento ocidental e o chinês.”
Escritos arcanos e o périplo das traduções
“De fato, veremos que a maior parte das passagens é crua e direta, frequentemente parecendo ser pouco mais que um truísmo”, aponta Sinedino. “A crítica de Hegel desvela diferenças significativas que existem entre o pensamento ocidental e o chinês.”
Escritos arcanos e o périplo das traduções
A nova tradução de Os
Analectos foi lançada no Brasil com apoio do Instituto Confúcio. É verdade
que já existiam duas outras versões em português, mas uma muito aparentada a
versões francesas e a outra feita a partir de edições em inglês. Além disso,
ambas se limitaram a traduzir os aforismos, ignorando os comentários
interpretativos, fundamentais para o entendimento da obra.
Aliás, é exatamente essa omissão – a ausência dos comentários – que compromete a maior parte das traduções de Os Analectos para línguas ocidentais. Disso resulta “a sensação de superficialidade para uns leitores, e a simples incapacidade de se entender o texto, para outros”, diz Sinedino. “A tradição de comentários chega a ser tão importante, hermeneuticamente, quanto o texto clássico.” Na verdade, explica o tradutor na introdução, “o pensamento chinês pode ser entendido como uma tradição de comentaristas”.
Em tempo: se você acha que encontrará um texto difícil e hermético, não se preocupe. Sinedino garante que “a tradução é voltada ao leitor em geral, sem conhecimento aprofundado da língua e cultura chinesas”. De fato, a leitura não só é aprazível, como também fluida e assaz enriquecedora.
Aliás, é exatamente essa omissão – a ausência dos comentários – que compromete a maior parte das traduções de Os Analectos para línguas ocidentais. Disso resulta “a sensação de superficialidade para uns leitores, e a simples incapacidade de se entender o texto, para outros”, diz Sinedino. “A tradição de comentários chega a ser tão importante, hermeneuticamente, quanto o texto clássico.” Na verdade, explica o tradutor na introdução, “o pensamento chinês pode ser entendido como uma tradição de comentaristas”.
Em tempo: se você acha que encontrará um texto difícil e hermético, não se preocupe. Sinedino garante que “a tradução é voltada ao leitor em geral, sem conhecimento aprofundado da língua e cultura chinesas”. De fato, a leitura não só é aprazível, como também fluida e assaz enriquecedora.
Livro
Os analectos.
Confúcio. Giorgio Sinedino (tradutor e coordenador). São Paulo, 2012,
Editora Unesp
Fonte: Ciência Hoje
Estação Música Total
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