CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

25.6.12


A primeira revista brasileira foi publicada em 1812. Duzentos anos depois, essa mídia se vê no meio do redemoinho da era digital e enfrenta o seguinte questionamento: como ser relevante em um mundo em que as informações estão disponíveis das mais variadas formas e muitas vezes de modo gratuito? Nos Estados Unidos, os magazines têm uma tradição de mais de três séculos.

Por *Fabrício Marques, no jornal Estado de Minas

Uma das maiores autoridades no assunto é David Abrahamson, professor na Medill School of Journalism, da Northwestern University, e professor de excelência de ensino na Charles Deering McCormick. Ele também foi presidente da Associação Internacional de Estudos de Jornalismo Literário. Abrahamson é o autor de Magazine-Made America: The cultural transformation of the postwar periodical (Hampton Press, 1996) e organizador de The american magazine: Research perspectives and prospects (Iowa State University Press, 1995) — ambos sem tradução em português. Em entrevista ao Estado de Minas, ele fala do futuro das revistas e de como elas poderão ter um papel importante no contexto das mídias.

Estado de Minas: No texto “The future of magazines, 2010-2020”, o senhor chama atenção para a importância do contexto, quando pensamos no futuro das revistas. O senhor diz: “O mais provável é que sejamos (os EUA) uma nação relativamente mais pobre, com mais desigualdade social e talvez o encolhimento da classe média”. Ao mesmo tempo: “Nós vamos desfrutar substancialmente menos de vantagens econômicas e geopolíticas em comparação com o resto do mundo”. Como o senhor situa o Brasil, que tem vivido situação econômica semelhante a China e Índia?
David Abrahamson: Acho que a maioria dos observadores estão bastante confiantes de que o Brasil, como os outros países do Brics, desfrutará de um crescimento significativo em seu padrão de vida na próxima década. Programas como os subsídios do governo para as famílias brasileiras que assegurem a frequência de seus filhos à escola terão, a longo prazo, uma boa chance de aumentar substancialmente o tamanho da classe média do Brasil.

Estado de Minas: Em que medida os avanços na ciência e na tecnologia afetarão a indústria de revistas?
David Abrahamson: Tecnologia e ciência têm um enorme efeito sobre a indústria das revistas. Na visão macro, o relativo sucesso das revistas em tirar proveito da rede mundial de computadores (por exemplo, muitas revistas têm o que é denominado “sites de destino”) salvou muitas revistas da turbulência existencial diante da indústria de jornais. No nível micro, o surgimento em poucos anos de “papel digital” (“tela flexível” do Google) pode transformar para melhor a publicação de revistas, bem como tornar os tablets obsoletos.

Estado de Minas: “A manipulação de coisas se tornará menos importante do que a manipulação de informação, com frequência na forma simbólica.” O que significa isso? Pode explicar melhor?
David Abrahamson: Estava falando do declínio da economia manufatureira/industrial e o surgimento da informação/economia de serviços. O mundo pós-industrial é alimentado por elétrons efêmeros (em computadores), que representam simbolicamente informação e conhecimento. É um mundo virtual.


Estado de Minas: “Meu palpite é que nos próximos 10 anos será cada vez mais valiosa a capacidade incomparável da revista de ser uma mediadora entre os interesses individuais e os interesses compartilhados.” O senhor pode dar um exemplo de como isso pode ocorrer?
David Abrahamson: O melhor exemplo: uma revista é bem-sucedida em um nível porque vai ao encontro das necessidades de informação e desejos de um único indivíduo que se autodefine como parte integrante de seus leitores fiéis. Mas, ao mesmo tempo, o sucesso da revista também é construído sobre o fato de que existe um número de leitores individuais para os quais a revista é a base para um senso de comunidade, um senso de interesse comum.

Estado de Minas: “Não muito tempo atrás, Bill Gates ofereceu uma observação interessante sobre a diferença entre publicidade e promoção. Provavelmente é verdadeiro seu ponto de que o impresso está tão bem adaptado à publicidade, enquanto a web parece melhor para a promoção.” Para o senhor, o novo modelo de negócios do jornalismo de revista se beneficiará desta situação?
David Abrahamson: Hoje, acredito que Gates ainda esteja certo. Para o futuro, porém, meu palpite é que o impresso vai sobreviver, pelo menos por mais uma década ou duas, ao lado de versões de revistas baseadas na web

Estado de Minas: Quais os principais efeitos do narrow-casting (disseminação de conteúdo para uma audiência específica) de todas as mídias, incluindo as revistas?
David Abrahamson: O principal efeito da eficácia contínua do narrow-casting é que o público, em sua maior parte, se tornará mais segmentado. Se a tese da "cauda longa" de Chris Anderson se provar correta no longo prazo, isso vai resultar em um negócio viável de mídia. Mais interessante, no entanto, é o fracionamento resultante da cultura, o que pode ser visto como uma força contrária à globalização. Como isso se dará no futuro vai ser muito fascinante assistir.

Estado de Minas: O senhor prevê uma valorização maior do jornalismo literário. Nos EUA isso já ocorre?
David Abrahamson: Valorização é termo um tanto escorregadio. É muito difícil medir com precisão. Com sua permissão, gostaria de reformular a pergunta: acha que o jornalismo literário continuará a ter audiências apesar de cada vez mais se dizer que o público tem períodos de atenção mais reduzidos e do crescente apetite por formas jornalísticas mais curtas e em formato web? Minha resposta é um retumbante sim. Porque jornalismo literário comunica, informa, diverte e ainda inspira seus leitores de um modo que outras formas de jornalismo não conseguem. E o fato de que os leitores de jornalismo literário acham isto valioso significa que estão realmente dispostos a pagar por isso.

Estado de Minas: “Outro componente do universo da revista certamente mudará em poucos anos. O papel convencional da revista como uma publicação semanal de informação baseada em fatos vai diminuir.” No Brasil isso parece difícil de ocorrer a médio prazo. E nos EUA?
David Abrahamson: Vejo tempos difíceis à frente para as revistas, particularmente aquelas que tentam servir um mercado de massa de 2 ou 3 milhões de leitores.

Estado de Minas: No Brasil, existe um descompasso entre mercado e academia. Pesquisadores veem o mercado com desconfiança, ao mesmo tempo que o mercado critica a academia. Mas nem pesquisadores são santos, nem o mercado é Leviatã. Como o senhor avalia essa situação?
David Abrahamson: Ambos os lados poderiam se beneficiar com um pouco de humildade. Os estudiosos em suas torres de marfim poderiam aprender algo ouvindo os praticantes. E os jornalistas poderiam se beneficiar tendo menos desprezo pela academia (o que é uma forma de anti-intelectualismo, acho; você já foi a qualquer lugar mais aborrecido e cínico do que uma redação?).

Estado de Minas: Segundo The Economist, 300 anos atrás as notícias viajavam de boca em boca ou carta, e circulavam em tabernas e casas de café na forma de folhetos, boletins e volantes. A indústria da notícia está voltando para algo mais próximo da casa de café. A internet está fazendo com que a notícia seja mais participativa, social, diversa e partidária. Isso terá efeitos profundos na sociedade e na política. O senhor concorda?
David Abrahamson: O que está faltando nesse cenário é a função de avaliação. Há informação, e então há informação competente. Muitas vezes é esquecido que os cafés da Londres do início dos anos 1700 eram frequentados com o que hoje chamaríamos de experts. Joseph Addison e Richard Steele eram muito brilhantes, homens bem-educados. Além disso, eles selecionaram as melhores ideias, as com maior conteúdo informativo e mais bem fundamentadas, das conversas dos cafés para incluir em sua revista, The Spectator.

Estado de Minas: O que o senhor pensa dos paywalls (sistema que impede que os usuários da internet acessem conteúdo de notícias on-line sem uma assinatura paga) como modelo de negócios para o jornalismo de revista?
David Abrahamson: Eu não ficaria surpreso se os paywalls se tornassem quase universais para os websites das revistas. Os leitores serão convidados a pagar pelo conteúdo e os anunciantes se deliciarão com isso. O resultado será um modelo de negócio muito bem-sucedido.

*Fabrício Marques é jornalista, doutor em literatura comparada (Fale/UFMG) e diretor do Suplemento Literário de Minas Gerais.

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