Obrigado primo! Bom contar com sua leitura qualificada e generosa. Sei do seu amor pelo cinema. Grande abraço.
Carlos Emerenciano
27.4.12
Postado por
Sávio Hackradt
CINEMA
Carlos
Emerenciano*
Em
1921, Graciliano Ramos questionava: “Mas por que o futebol? Não seria,
porventura, melhor exercitar-se a mocidade em jogos nacionais, sem mescla de
estrangeirismo, o murro, o cacete, a faca de ponta, por exemplo?” O escritor
acreditava que o esporte bretão não passaria de modismo de nossa juventude. “Um
entusiasmo de fogo de palha capaz de durar bem um mês”, sentenciou.
A
despeito da lucidez e do brilhantismo de Graciliano, não é preciso dizer que
ele errou feio. O futebol não apenas fincou bandeira em terras brasileiras, mas
também aqui foi transformado. De início, praticado por jovens ricos, logo
ganhou todos os cantos e alcançou todas as classes sociais. Nas periferias,
Brasil afora, meninos pobres, acostumados a correr e a driblar os obstáculos da
vida, introduziram a ginga no soccer. Bolas de meia, campos de terra, pés
descalços. Inventaram dribles que se assemelhavam a passos de capoeira.
Houve,
então, a partir da década de 20, com a aceitação de negros nos clubes, uma
inversão. O nobre esporte bretão, praticado por jovens da sociedade, ao modo
dos seus inventores (com cintura dura e respeito excessivo à bola), passou a
ser do povo, praticado pela classe operária, em campos de terra batida, nos
cais dos portos, nos pátios das fábricas. Os filhos desses trabalhadores
passaram a brincar e a sonhar com o futebol. Craques que iriam surgir no
futuro.
A
prosa vai longa, mas a julguei necessária antes de falar sobre o filme “Heleno,
o príncipe maldito”. No final dos anos 30, o futebol era uma febre nacional,
mas a elite deixou de praticá-lo e reservou-se ao papel de espectadora. Os
craques de então, Leônidas, Fausto, Domingos da Guia, eram todos pobres e
negros. Um adolescente de classe média alta, bem apessoado, bem sucedido com as
mulheres, leitor dos clássicos europeus, resolveu, então, matar o seu tempo
jogando soccer nas areias da praia de Copacabana, onde morava. Logo percebeu-se
que aquele branco jogava à moda brasileira, com ginga e tempero; com arte e raça.
Trata-se,
caros leitor e leitora, de uma personagem interessantíssima. Por essa razão, Rodrigo Santoro a escolheu para retratá-la
na telona. Uma feliz escolha. Heleno tornou-se, pelas características que o
diferenciavam dos demais jogadores, uma celebridade, verdadeiro “pop-star”.
Tornou-se ídolo do Botafogo e não demorou a chegar à Seleção Brasileira. Vivia
a noite carioca e desfrutava das mulheres conquistadas, com o mesmo vigor que
dividia a bola com o adversário. E olhe que o craque não era de fugir de bola
dividida.
Não
pensem, porém, que “Heleno” seja um filme sobre futebol. O esporte aparece
apenas como pano de fundo para o drama existencial do “príncipe maldito”. Da glória
ao ocaso. Da lucidez à completa loucura. Essa dualidade está bem presente, na
medida em que os tempos áureos de Heleno (de fama, dinheiro e mulheres) são
confrontados, a todo momento, com o seu fim, internado em uma clínica para
loucos.
Heleno
era um temperamental. Apesar do prestígio e do dinheiro alcançados, via-se que
ele jogava por amor. Encarava o futebol como uma forma de arte. Era, nesse
ponto, metódico e exigente com os seus companheiros de time. Quem não
conseguisse acompanhá-lo, era logo cruelmente destratado. O jovem elegante,
polido, conquistador saía de cena para dar lugar a alguém totalmente incapaz de
domar os seus instintos. Uma espécie de “Dr. Jekyll e Mr. Hyde”. Creio que
ninguém tenha superado o craque da estrela solitária em expulsões de campo.
Muitas vezes, por brigar com os jogadores do seu próprio time.
O
filme, dirigido por José Henrique Fonseca, consegue retratar bem a personagem e
suas diversas facetas. Egocêntrico, sedutor, sonhador, perfeccionista,
temperamental, Heleno fez de sua vida um tango argentino (por sinal, o craque
jogou por lá no Boca Juniors). E aí se sobressai o talento de Rodrigo Santoro,
merecidamente premiado por sua interpretação no Festival de Cinema de Havana.
Gravado em preto e branco, o filme passa um ar nostálgico, tanto de uma Rio de
Janeiro que se perdeu, como de um Heleno que não mais se repetirá.
*Carlos
Emerenciano - Apreciador de um bom filme, dividirá com os leitores suas
impressões sobre cinema todas as sextas-feiras.
Twitter:
@cemerenciano
e-mail:
aemerenciano@gmail.com
3 comentários:
-
Excelente, Carlinhos. Li o livro e me entusiasmei com a história de 'Gilda'. Aguardar que chegue as telas de uma Natal pobre e distante de filmes culturais. Parabéns pelo ensaio. Kolberg Luna
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abril
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Anônimo says:
Muito bom primo ! parabéns pela crítica ! como você sabe, também amo cinema e certamente acompanharei seus textos semanais. Abraço !
Thiago Emerenciano