10.9.12
Postado por
Sávio Hackradt
Se a arte não tem o poder de mudar o mundo, o que dizer
de uma canção soturna e melancólica cuja letra - irônica até a raiz dos cabelos
e sustentada por uma poesia cruel - fala de linchamento? "Strange
Fruit", a canção confundida com sua principal intérprete, Billie Holiday
(1915-1959), construiu uma estranha reputação ao longo do tempo, desde que foi
gravada pela cantora em 1939. Foi admirada e odiada na mesma proporção, em
virtude dos efeitos devastadores que provocava pela voz de Billie.
Cadão Volpado, no Valor
Principal intérprete de "strange Fruit", Billie Holiday teve uma trajetória que se confundiu com dramaticidade da própria música |
Cantora excepcional, cheia de alma e experiência de vida,
Billie não compôs a música, mas a incorporou de tal forma que ela ficou sendo
sua. Assim, ela a utilizava nos shows em momentos de grande dramaticidade - para
centrar as atenções de uma plateia distraída ou para calar a boca de alguém
racista ou bêbado mais abusado. "Strange Fruit" acompanhou a carreira
dela até o fim, e sempre foi cantada como uma espécie de resumo biográfico da
vida miserável que Billie conheceu antes, durante e depois da fama.
O escritor americano David Margolick examinou a música com
profundidade no livro "Strange Fruit - Billie Holiday e a Biografia de uma
Canção" (Tradução: José Rubens Siqueira, ed. Cosac Naify, 144 págs., R$
39,90), lançado originalmente em 2000 nos EUA. É uma obra pequena e densa. Ao
contar a história de "Strange Fruit", Margolick fala por tabela de
pessoas e eventos extraordinários, ligados a uma época marcada pela chaga do
preconceito racial elevado à potência máxima, sintetizada pelos inúmeros,
comuns e levianos linchamentos de negros que ocorriam principalmente, mas não
só, no sul dos EUA.
Margolick mostra como "Strange Fruit" tocava
nessa ferida. "Muitas canções são pura distração ou entretenimento",
diz o autor ao Valor. "Elas levam nossa cabeça para longe dos
problemas. 'Strange Fruit' foi e é única porque na verdade dirige nossa atenção
para um dos problemas fundamentais da civilização: a intolerância."
No ano em que foi lançada, o preconceito racial ainda era
um tabu. Ninguém falava, quanto mais cantava a respeito. "Billie cantou
esse tema de forma acessível e poderosa", diz Margolick.
"Strange Fruit" é o tipo de música que faz
estragos logo na primeira audição. Os depoimentos que Margolick colheu
demonstram tanto o poder de encantamento quanto a repulsa que ela pode
provocar. Mas ela não teria um efeito tão espetacular caso não saísse da
garganta de Billie: todos os que tentaram depois dela tiveram que encarar a
sombra da principal intérprete.
As histórias paralelas ajudam a fazer do conjunto a
maravilha que ele é. De um lado, há o lugar em que Billie cantou a música pela
primeira vez, o Café Society, estranha casa noturna de Manhattan que abrigava
debaixo do mesmo teto, sem regalias e distinções, playboys, artistas de cinema,
músicos, socialites e outros habitués de cores diversas. Os garçons se vestiam
como maltrapilhos, e os racistas eram retirados do local sem o menor
constrangimento. Nesse ninho de arte e tensa tolerância, Billie cantou
"Strange Fruit" pela primeira vez. E o que aconteceu se repetiria em
muitas outras ocasiões: depois de um silêncio sufocante, os aplausos exasperados.
Nascia uma revolução de bolso, condenada às dimensões de um palco apertado, em
que um jato de luz incidia diretamente sobre a cabeça da intérprete. E depois
dela, o abismo, porque Billie deixava o tablado e não cantava mais nada.
E embora a canção pertencesse à intérprete por direito,
quem a compôs de verdade tem uma história tão fascinante quanto o lugar em que
ela foi cantada por Billie. O autor oficial é Lewis Allan (1903-1986), escritor
judeu progressista que simplesmente se impressionou com a imagem de dois
cadáveres negros pendurados numa árvore, assistidos por uma multidão de rostos
brancos obtusos. Dessa foto nasceu a canção, irônica em todas as linhas
("Árvores do sul dão uma fruta estranha", diz o primeiro verso).
O nome verdadeiro de Lewis era Abel Meeropol, o homem que
adotaria os filhos de Ethel e Julis Rosenberg, executados por espionagem em
1953. Um dos momentos mais bonitos do livro é a descrição das visitas de um dos
filhos adotivos ao hospital em que Meeropol se encontrava, sofrendo do mal de
Alzheimer. O filho cantava "Strange Fruit" para ele, substituindo o
disco que, de tanto tocar, já estava riscado. Além de ser uma resposta ao
horror, "Strange Fruit" poderia se transformar também numa espécie de
acalanto.
Estação Música Total
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