CALANGOTANGO não é um blog do mundo virtual. Não é uma opinião, uma personalidade ou uma pessoa. É a diversidade de idéias e mãos que se juntam para fazer cidadania com seriedade e alegria.

Sávio Ximenes Hackradt

16.1.12


“COISAS DA VIDA” 

Por Leide Franco* (@LeideFranco)



João amava Teresa que amava Raimundo 
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili 
que não amava ninguém. 
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, 
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, 
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes 
que não tinha entrado na história.



Quando nascemos, nos aventuramos. Nascer é um estúpido e inevitável risco que beira o constante. Sabemos do início, do meio, mas do fim nada podemos prever. O desenrolar da nossa história se desenvolve dentro de um labirinto. Às vezes não enxergamos a saída, e em uma curva ou em outra, nos deparamos com coisas que mal podemos acreditar. O problema é que não estaremos prontos nunca, nem para viver e muito menos para morrer. Estamos em um eterno aprender.

Conheci Teresa, uma moça jovem, bonita, independente e segura do que precisa e quer para o resto de toda sua vida, isso muito antes dos trinta anos de idade. Muito antes dos muitos com seus quarenta e tantos anos que não sabem aonde querem chegar.

Ela é daquele tipo doce ácido, indecifrável muitas vezes. Teresa já sofreu com a possibilidade de ser amada, e embora triste, Teresa parece quase sempre feliz. Bastam poucas coisas para colocar um sorriso bem largo em seu rosto. ‘Por amores ela já chorou quem nem viúva, mas acabou’, só não esqueceu!

Teresa um dia se viu perdida entre duas escolhas, entre seguir e ficar. Entre um querer não querer. Ela queria, mas sua razão a fazia recuar. “Arrisco mais uma vez ou fico assim como está?” Era muita pergunta em meia frase para nenhuma resposta. É um estado agudo de indecisão. “Devo ir, ou continuo assim de braços cruzados para o tempo que talvez passe, ou quem sabe, chegue?” Teresa só encontra respostas que não servem mais. Viver era um descuido que se repetia hora a hora. Teresa tinha medo, mas tinha esperança. Era feliz, mas se sentia triste. Vivia cercada de bons amigos, mas era só.


Teresa que era de carne, mas fingia ser feita de ferro já não sabia mais conjugar o verbo saudade, tão constante nessa vida desconstruída, feita de fragmentos compostos de nós enlaçados com fitas soltas. O tempo presente no passado fazia com que ela já não suportasse guardar o vazio que é ter amado Raimundo. A saudade dela era meio clariciana, tal como fome, que só passa depois que se come a presença. Mas Teresa não queria mais presença nenhuma de Raimundo, nem do passado e nem do futuro. Ela sofre do mal da lembrança que tem dificuldade para esquecer. Até apaga, mas não deleta.

Teresa anda pensando que Deus se esqueceu de por os ósculos e não consegue enxergá-la aqui embaixo. Pobre Teresa... Tão confiante em si, mas tão descrente da vida enquanto os outros.

A verdade é que ela não queria mais ser capaz. Só há um coração cacto dentro dela. Está ferida e cansada como aquele bicho que foi à luta, brigou como quem merece ganhar, mas não venceu. Ela vive se traindo com suas memórias. Teresa está passando um filtro fino em sua vida e somente os pedaços grandes vão ficando, como as tais lembranças inesquecíveis por serem lembranças, que são alarme que dispara cada vez que João vai chegando. João que ama Teresa que ama Raimundo que parece amar Maria, mas não ama ninguém. E assim a vida de Teresa segue suspensa pelo fio da indiferença até que um sopro forte a faça cair de pés no chão ou que a faça voar, mas enquanto isso, Teresa cuida do que resta, pois é só o que resta fazer.

*Leide Franco - Comunicadora com pretensões literárias; 
Um pouco de filosofia e reflexões cotidianas; 
Um muito de MPB
E quase nada do que ainda quero ser. 
Escreve às segundas-feiras.

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