5.4.12
Postado por
Sávio Hackradt
Há
uma confluência de interesses “murdochianos” no oligopólio midiático
brasileiro. A mesma notícia que é acolhida – ou não – por Rupert Murdoch, e seu
império, guardadas as proporções do alinhamento dos jornais, revistas e
estações de TV, é integralmente acoitada por aqui.
Por
Enio Squeff*
Não
se sabe exatamente em que condições, ou por que, uma determinada expressão ou
um nome entra no dicionário como adjetivo ou verbo– mas é possível imaginar que
o Houaiss venha um dia a incorporar a palavra “murdochização” -e não
necessariamente com “h”, mas com “q” mesmo. Keith Rupert Murdoch, conhecido
como o “magnata da mídia“ não inventou nada de novo na história contemporânea
da imprensa mundial, mas é dono de uma rede infinda de jornais, comprovadamente
não dá guarida a qualquer opinião que não seja estritamente a sua e é uma das
forças mais reacionárias com que a direita e os conservadores podem contar no
mundo.
Orson
Welles inventou o seu “Cidadão Kane” a partir de uma sociedade multifária: o
dono de jornais é um manipulador notório, um sacripanta – mas não manda
sozinho. Tem rivais. Rupert Murdoch ainda conta com alguns resistentes
residuais – mas ninguém duvida de que se pretenda hegemônico. E que siga,
afinal a lei do capitalismo rumo ao monopólio.
É
natural. Marx, que teve de se mudar de vários países por suas ideias, só
conseguiu sobreviver numa Inglaterra minimamente democrática, onde vigeu
durante mais tempo a idéia de “imprensa livre”. Talvez não seja apenas irônico
que Rupert Murdoch tenha instalado parte do seu império justamente na
Inglaterra. Foi a partir dela, em todo o caso, que o compositor francês Hector
Berlioz passou a venerar Shakespeare, assim como foi no Império Britânico que,
anos antes, exilado, Voltaire, também francês, pode apreciar as primeiras
experiências democráticas no sentido literal da palavra. Parece, em suma, haver
uma convergência entre ideias livres, inteligência e democracia.
O
criador do primeiro jornal brasileiro (Correio Brasiliense), o gaúcho Hipólito
da Costa (1777-1823), poderia ter tentado editar seu periódico em outros
lugares do mundo. Preferiu a Inglaterra, por motivos óbvios. Ninguém o premiria
por opinar sobre seu país a quase dez mil quilômetros de distância. Mas é aqui
que talvez entre a palavra “mudorchização” da imprensa.
A
rigor, em alguns aspectos ela já existe. Não parece fortuita, a proibição
expressa que a imprensa hegemônica brasileira vem mantendo, de afastar das suas
páginas nomes de artistas, de escritores e intelectuais de todos os tipos, que
professam opiniões diferentes das orientações de seus editoriais. E não se
afigura, igualmente, uma exceção que os jornais omitam notícias e inventem
outras, tudo em nome da sua independência e da sua prerrogativa de vetar o que
não lhe agrada. Não existe brasileiro minimamente informado, que não sabe
haverem omissões ou notícias deturpadas na imprensa brasileira. Talvez seja aí
que mudochização da mídia comece a ter algum sentido.
Não
é novidade, certamente, que a imprensa sempre foi restritiva. Pietro Maria
Bardi, criador do Museu de Arte de São Paulo (MASP), não podia ter seu nome
estampado no “Estadão”. A proibição não era explícita, mas corria entre o seu
corpo redacional que Bardi não deveria ser mencionado nas páginas do jornal,
fosse para o que fosse. Tinha sido coadjuvante de Assis Chauteaubriand, dono
dos Diários Associados, na obtenção de recursos junto ao empresariado paulista
– não raro sob ameaças de chantagem – para a compra das obras garimpadas pelo próprio
Bardi numa Europa economicamente combalida, depois da Segunda Guerra. A
história é conhecida.
O
que se ignora são justamente os interditos da grande imprensa. Na época, não
havia “impérios midiáticos” como hoje; tampouco os jornais cerravam qualquer
acordo para não mencionarem denúncias de corrupção de políticos ligados,
sabe-se bem por que, a quase todos os órgãos de imprensa. “O Estado de S.
Paulo”, por exemplo, criticava a “Veja” que, por sua vez, não poupava os
Mesquitas; ou os Frias, ou mesmo Roberto Marinho de “O Globo” Era uma guerra.
Democraticamente suja; ou limpa ( dependendo das denúncias mútuas). E até onde
a formação dos oligopólios permitia, as coisas não eram unânimes. Se uma
publicação tinha um furo – valia o furo a despeito de todo o resto. Hoje a
coisa mudou.
Jacob
Burkhardt, que foi o grande historiador da Renascença no século XIX, ao falar
sobre Aretino, que, com razão, ele considerava acima de tudo um jornalista –
anotava, imparcialmente, que a maledicência entre os potentados italianos, era
uma prática comum. Aretino mesmo, mediante bons emolumentos, tanto podia falar
bem do Papa, quanto ridicularizá-lo. Não era uma questão ideológica. Hoje é
exatamente essa a questão. E Murdoch (mas também muitos mais), só é citado como
passível de alguma censura, quando ultrapassa as leis do comércio (ninguém
imagina que fechar jornais seja, em princípio, um bom negócio) – no mais,
porém, é um exemplo a ser seguido. Ou será que os donos dos principais jornais
e meios midiáticos brasileiros não o invejam?
A
resposta talvez não inaugure uma nova expressão na língua portuguesa –a
“murdochização”. Mas há uma confluência de interesses “murdochianos” no
oligopólio midiático brasileiro. A mesma notícia que é acolhida – ou não – por
Rupert Murdoch, e seu império, guardadas as proporções do alinhamento dos
jornais, revistas e estações de TV, aos programas e procedimentos dos partidos
brasileiros que ela apóia – é integralmente acoitada por aqui.
Claro,
a” murdochização” – a palavra é complicada, deve-se admitir – não é senão uma
virtualidade. Por enquanto, a mídia nativa aspira chegar a um poder
incontestável, o que está cada vez mais difícil devido à rede social. Uma vez
que isso se realize, porém, “depois a gente conversa”. De qualquer maneira, a
tendência à “murdochização”, essa parece inegável. Alguém do oligopólio,
vencerá. O resto, o império “murdochiano”, no momento oportuno explicará.
Em
tempo: a palavra sacripanta também entrou no dicionário a partir de um
personagem. Era “Sacripante”, figura descrita como espertalhão e velhaco, na
canção de gesta de Matteo Maria Boiardo (1441-1494). Mais tarde entraria no
“Orlando Furioso”, de Ariosto, mas já então tinha sido devidamente
dicionarizada para sacripanta com o sentido que guarda ainda hoje.
*
Enio Squeff é artista plástico e jornalista
Fonte:
Carta Maior
Estação Música Total
Últimas do Twitter
Arquivo
-
▼
2012
(1376)
-
▼
abril
(147)
- A calma do bicho. A pressa do homem
- Gêneros, relações tão delicadas
- Nicolelis propõe a Aldo união entre futebol e ciê...
- Especialistas discutem benefícios do uso medicinal...
- China já é o maior fornecedor do Brasil
- Um em cada quatro professores da educação básica n...
- Justiça condena empresária por ofender cliente em ...
- Ex-perseguidos fazem manifestação para pedir rapid...
- Mais publicidade na rede
- Domésticas são mais de 7 milhões no país e ainda b...
- 70% dos assassinatos de jornalistas no Brasil fica...
- Renda das mulheres cresce três vezes mais que a do...
- Mortalidade infantil cai quase pela metade em dez ...
- Heleno
- ONGs lançam programa Cidades Sustentáveis com prop...
- Os bancos e o conto da inadimplência dos clientes
- Por unanimidade, cotas raciais em universidades pa...
- Prevenção dos conflitos sociais
- População deve movimentar R$ 49,55 bilhões com edu...
- Um quarto dos brasileiros sofre de hipertensão, se...
- Ministra diz que combate à violência contra mulher...
- Blogueira quer fazer 365 passeios diferentes em SP
- Situação dos advogados apontados nos episódios do ...
- Desktop perde espaço para laptop e tablet
- Câmara aprova Código Florestal com mudanças de rur...
- Jornada dupla prejudica saúde de jovens trabalhadores
- TCU: obra que não ficar pronta até a Copa deve ser...
- O profissional contábil
- Brasileiro deve gastar R$ 5,57 bilhões com bebidas...
- ‘O Jardim das rosas amarelas’
- Campanha nacional quer vacinar 24,1 milhões contra...
- STF decide sobre validade de cotas raciais nesta q...
- Comissão aprova criminalização do enriquecimento i...
- Jornalista e blogueiro é executado a tiros em São...
- Governo mantém projeção de crescimento econômico p...
- Internautas de malas prontas
- Polícia Rodoviária Federal cria Serviço de Informa...
- Somos os cegos que não querem ver
- Adultos solteiros e casados
- Projeto da Unesco vai listar 100 lugares mais sign...
- Legalização de prostíbulos abre caminho para regul...
- Possibilidade de rejeição pela Câmara Municipal do...
- Tecnologia identifica fraudes em declarações do Im...
- Uma em cada quatro pessoas utiliza pagamento via c...
- Dicas para melhorar a memória
- Não Pise na Dama!
- Conservadores aprovam rabinos gays em Israel
- Comissão de Juristas aprova mudanças no Código Penal
- Dilma reitera que não negocia anistia a desmatador...
- STF mantém “lista suja” do trabalho escravo
- Pesquisa afirma que muitas pessoas não associam o ...
- Cinema brasileiro terá lugar de honra no Festival ...
- Maria Inês Nassif: A política brasileira, a virtud...
- Bancos prometem juro menor: faça as contas e encon...
- "Falta, no Brasil, um grande escritor capaz de se ...
- Mobilização popular é uma das principais diferença...
- ‘Taxar os ricos é crucial para modelo de desenvolv...
- Mauro Santayana: O padre comunista
- População indígena cresce 11,4% no país em dez anos
- Candidatos radicais conquistam eleitores jovens na...
- Escritora emociona plateia ao defender importância...
- O impacto da Copa/2014 na economia do Rio Grande d...
- II Semana de Política Públicas começa hoje
- Softwares de código fechado são potencial ameaça a...
- Governo muda regra para seguro desemprego
- Aplicativo desenvolvido no Brasil mede felicidade ...
- Facebook supera Google como site mais visitado no ...
- Justiça extingue pena do ex-banqueiro Salvatore Ca...
- Câmara e Senado reúnem assinaturas para abertura d...
- Cidades da Copa devem ter telefonia 4G até dezembr...
- Vitimas de pedofilia pela igreja recebem mais de R...
- Dilma: Brasil deu passo decisivo ao aprovar Lei de...
- Franchising, a aposentadoria do empreendedor
- #DebatendoNatal - Ciclo de discussões abertas sobr...
- Argentina pode condenar à prisão perpétua quem mat...
- A companhia imaginária de cada um
- Tárik de Souza: Ouro de breque
- Audiência vai avaliar direito dos usuários da inte...
- Literatura marginal ganha espaço e conquista leito...
- O Facebook tem medo da internet
- Cúpula das Américas termina sem consenso sobre inc...
- Zuenir Ventura: jovens devem se mobilizar pelas re...
- Amor e sexo no Império
- A Guerrilha do Araguaia não foi um episódio qualqu...
- PF: país foi fatiado pelas quadrilhas de contraven...
- Cientistas identificam o umami como um quinto sabo...
- Pesquisa indica uso abusivo de bebida alcoólica en...
- Especialista define o que é um embrião com anencef...
- Eventos literários ganham espaço na agenda cultura...
- Bancos brasileiros ganham duas vezes mais do que n...
- Cúpula das Américas discute segurança e combate à ...
- A Constitucionalização das Controladorias
- Emiliano José: Sêneca, Demóstenes e a ética na pol...
- Mais da metade dos adolescentes infratores ouvidos...
- Partidos escalam seus ‘pitbulls’ para compor CPI d...
- Aprovado na Câmara projeto que amplia provas da Le...
- Operação Judas - Íntegra do depoimento de George Leal
- Operação Judas - Íntegra do depoimento de Carla Ub...
- Número de brasileiros com acesso a internet chega ...
- Quase metade da população brasileira está acima do...
-
▼
abril
(147)
0 comentários: